Mauro Zanatta, de Brasília
Projeto pode barrar semente ‘salva’
Cândido Vaccarezza, líder do PT na Câmara, propõe alterar lei de transgênicos
Projeto pode barrar semente ‘salva’
Cândido Vaccarezza, líder do PT na Câmara, propõe alterar lei de transgênicos
As polêmicas em torno da Lei de Biossegurança, editada em 2005, devem recomeçar na Câmara dos Deputados. Um projeto de lei apresentado pelo líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP), pretende alterar a lei ao prever autorização para a chamada tecnologia genética de restrição do uso (GURT, na sigla em inglês) e a eliminação da rotulagem de produtos transgênicos por meio de símbolos ou expressões que induzam a “juízo de valor”.
O projeto de apenas cinco artigos, em tramitação desde agosto, deve provocar uma revolução na regulação dos transgênicos. O GURT tem sido combatido de forma ferrenha por ambientalistas, uma parte dos produtores rurais e entidades de defesa dos direitos do consumidor.
A tecnologia permite a geração de plantas transgênicas estéreis e a manipulação genética de ativação e desativação de genes ligados à fertilidade. Na prática, o GURT impede os produtores de plantar grãos reservados de colheitas anteriores, situação bastante comum no Sul do país — são as chamadas sementes “salvas”, cuja fatia de mercado tem sido reduzida pelo uso de sementes transgênicas “comuns”. A eliminação do “T”, de transgênico, das embalagens é comemorado como um trunfo das ONGs, mas contraria radicalmente a indústrias nacional de alimentos.
Tradicional aliado de ONGs contrárias ao uso de transgênicos no país, o PT deve enfrentar duros debates internos a partir da proposição de seu líder na Câmara. “Estou surpreso”, disse o deputado Fernando Ferro (PTPE), ex-líder do partido. “Temos que abrir esse debate. Isso vai dar uma boa polêmica porque ele terá que convencer a gente”.
As ONGs ambientalistas também prometem combater a proposta. “O PT está embarcando numa posição horrorosa. Há pouca convicção e muita conveniência”, diz o coordenador da ONG agroecológica AS-PTA, Jean Marc von der Weid. Ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) nos anos 60, o economista promete oposição ao projeto. “Vamos ter que fazer revolta interna porque o Vaccarezza joga do lado de lá. Ele vai aproveitar o cargo para passar isso”.
Em defesa do projeto e de sua posição favorável à liberação total dos transgênicos no país, Vaccarezza afirma manter a “coerência” em “convicções históricas” e diz ter apresentado o texto em “caráter pessoal”, e não como líder do PT. “É uma posição pessoal minha. Não tem nada a ver com o partido”, afirma. “Sou favorável à tecnologia desde que surgiu essa discussão. É mais seguro que outros métodos”. Vaccarezza lembra ter defendido a adoção da biotecnologia em um longo artigo na revista petista “Teoria e Debate”, ainda em 2003. “O PT era contra, mas sempre defendi isso. Desde quando era deputado estadual em São Paulo.”
Surpresa com o projeto do líder do PT, a bancada parlamentar ambientalista já começou a mobilização de ONGs para barrar as discussões. “É um atentado contra a vida. E dos mais graves”, ataca o líder do PV, deputado Edson Duarte (BA). “É de arrepiar os cabelos. Era para o PT pedir a análise da comissão de ética. Não quero acreditar que haja interesses empresariais por trás disso”.
Em meio aos debates sobre a reforma do Código Florestal, onde medem forças com a bancada ruralista, os ambientalistas acreditam ter “perdido” o PT nessas batalhas ideológicas. “É a confirmação da desfiguração ideológica do PT. Vaccarezza é líder de um partido de compromissos históricos com os trabalhadores. Nem os ruralistas tiveram essa audácia”, diz, em referência à desistência dos ruralistas de defender o projeto similar do deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR).
Comentario do Blog
Bem, pela trajetória recente do Vacarezza esse posicionamento não me surpreende. Este episódio explica em certa medida as contradições existentes no interior do PT em relação à Cutrale, a reestatização da Vale do Rio Doce, enfim, em relação a setores do empresariado "amigos" de petistas.
Tal proximidade, está na raiz dos episódios de 2005, e da resistência de parcela da bancada federal do partido em relação ao voto em lista pré-ordenada fechada, única forma possível de implantação do financiamento público de campanhas eleitorais.
Num momento em que o discurso político da senadora Marina Silva, pré-candidata a Presidência da República, é centrado no passivo ambiental do governo Lula e numa suposta omissão do PT sobre o tema, o líder do partido na câmara apresentar um projeto desses beira a irresponsabilidade política.
Enfim, é o projeto pessoal, próprio da individualização dos mandatos que o sistema eleitoral atual estimula, se impondo em detrimento do interesse coletivo e ao arrepio da conjuntura política.
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