domingo, 7 de fevereiro de 2010

ENTREVISTA SOBRE A CRISE NA VENEZUELA

A Venezuela está longe de um colapso”, entrevista com Gilberto Maringoni
7 fevereiro 2010
Do Jornal do Commercio, Recife

Estudioso desde 2002 do “fenômeno” Hugo Chávez e autor dos livros A Venezuela que se inventa (2004) e A revolução venezuelana (2009), o jornalista e arquiteto Gilberto Maringoni tem uma visão diferente sobre a crise no país sul-americano. Para ele, Chávez não é um ditador nem cerceia a liberdade de imprensa na Venezuela. Atribui seu autoritarismo à desorganização do povo venezuelano, garante que sua hegemonia no país é “incontestável” e pondera que é precipitado afirmar que o socialismo bolivariano fracassou. “A Venezuela está longe de um colapso.”

JC – A Venezuela está em crise?
GILBERTO MARINGONI – É claro que está. Há uma crise econômica, sobretudo energética, muito séria. Trata-se de uma crise recorrente na história do país, que depende de um único produto, que é o petróleo. Quando sua cotação cai no mercado internacional, ocorre a crise. Isso aconteceu várias vezes ao longo do século 20. É um país que só exporta petróleo, o que gera desequilíbrio nas contas públicas.

JC – Isso, por exemplo, não acontece no Brasil
MARINGONI – Comparando com o Brasil, nós temos uma economia muito mais diversificada. Esse cenário só ocorreu aqui até meados de 1930, quando a gente só exportava café. Por isso o Brasil passou bem pela crise internacional, pois conseguiu suprir a carência de crédito externo com a poupança interna.

JC – É uma crise antes econômica do que política?
MARINGONI – É uma crise econômica que respinga politicamente. Há um acirramento na questão política. Não existe nada pior que o cidadão descontente. O rebatimento político é grande e inevitável. Isso é decorrente da crise energética. Não é fácil a pessoa ficar quatro horas sem luz em casa. Os serviços públicos, já precários, se deterioram. A seca atinge a região onde está localizada a terceira maior hidrelétrica do mundo.

JC – A crise deve perdurar?
MARINGONI – Não dá para dizer se ela é apenas momentânea. O país tem uma série de outras carências.

JC – Como o senhor vê essa queda da popularidade de Hugo Chávez?
MARINGONI – Não é uma coisa anormal a aprovação estar abaixo dos 50%. Chávez está há 11 anos no poder. A tendência de queda é natural. Mas isso é apenas o retrato de um momento.

JC – Há quem fale no fim do socialismo bolivariano. O senhor acredita nisso?
MARINGONI – Acho cedo para falar isso. É precipitado falar que é o começo do fim. É mais um desejo de quem avalia do que uma realidade. Falaram que o governo cubano cairia e não caiu. A Venezuela está longe de um colapso. Algumas pessoas não conhecem o fenômeno Chávez, que surgiu ainda na década de 80 num vazio de lideranças na Venezuela. Chávez soube ocupar essa lacuna e se tornou um fenômeno muito forte. O mesmo ocorre com Lula, que tem uma identidade com o povo que vai muito além do Bolsa Família ou do aumento do salário mínimo.

JC – Então o senhor acredita na recuperação do socialismo bolivariano?
MARINGONI – É muito fácil falar que Chávez precisa diversificar a economia venezuelana e acabar com essa dependência do petróleo. Mas na prática não é assim. Não há incentivo para instalar indústrias. Mas é preciso mudar. O negócio é que a pressão é muito maior pela forma como Chávez leva o governo. Houve uma elevação no padrão de vida, mas há uma centralização do governo na figura do presidente.

JC – Que leitura o senhor faz do fato de ex-aliados de Chávez pedirem sua renúncia?
MARINGONI – Esses políticos saíram do governo faz tempo. Já estavam na oposição. É mais um elemento da crise, nada mais.

JC – Que análise o senhor faz do fechamento de emissoras de TV por parte do governo chavista?
MARINGONI – Essa história de que não existe liberdade de imprensa na Venezuela é conversa. Nunca houve tantos jornais comunitários e órgãos privados de imprensa como há hoje. Mas, claro, existem restrições. Chávez é um militar, sua personalidade é assim, às vezes totalitária. Isso embaça a visão das pessoas. Mas noto um exagero. Não há situação de convulsão social.
Extraído do Site do Jornal Página 13

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