Por Valter Pomar
No dia 21 de julho, quarta-feira, a nossa companheira Dilma Roussef concedeu uma interessante entrevista ao programa 3 a 1, da TV Brasil.
No dia 22 de julho, a grande imprensa repercutiu a entrevista, destacando entre outras coisas as posições de Dilma sobre comunicação, impostos e jornada de trabalho.
Alguns jornais afirmaram que as posições de Dilma estavam em contradição com as diretrizes de programa de governo do PT, aprovadas pelo IV Congresso do Partido.
Dilma é filiada ao PT, mas também é candidata de uma coligação que inclui vários partidos. Por isto, falando em tese, ela pode defender diretrizes distintas daquelas provadas pelo Partido dos Trabalhadores. Sem falar que, como cidadã e petista, ela não é obrigada a concordar com aquilo que aprovamos em nossos encontros democráticos.
Por outro lado, como o PT é um dos partidos da coligação, espera-se que nossa candidata não critique publicamente as posições do Partido. Assim como o programa da coligação não deve confrontar o programa do PT.
Até o dia 23 de julho, o site da TV Brasil (http://www.tvbrasil.org.br/3a1) disponibilizou apenas a primeira parte da entrevista.
A entrevista inicia com Dilma dizendo querer a presidência para “seguir mudando” e que a mudança principal é a “erradicação da pobreza”.
O jornalista Valdo Cruz (Folha de S. Paulo) perguntou, então, sobre três propostas que constariam das diretrizes de programa do PT: a “taxação sobre grandes fortunas”, o “controle social sobre os meios de comunicação” e a “redução da jornada de trabalho”.
Digo constariam, porque as frases “controle social sobre os meios de comunicação” e “taxação sobre grandes fortunas” não constam do texto das diretrizes aprovadas no IV Congresso.
Respondendo a Valdo Cruz, Dilma afirma sobre o primeiro ponto que o termo “controle social” é “impreciso”; distinguiu entre “marcos regulatórios” e “controle sobre conteúdo”; firmou uma forte posição contra a censura; e criticou (sem citar o nome de Serra) a prática de ligar para redações, pedindo demissão de jornalistas.
Sobre o segundo ponto, Dilma diz ter ficado “provado” que “de uma certa forma” a taxação sobre grandes fortunas é “inócua”, não resultando “necessariamente” em ganhos para a sociedade. Repetiu esta idéia, dizendo que “não há nenhum indicador” de que a taxação sobre grandes fortunas “resulte em grandes benefícios”.
Sobre o terceiro ponto, Dilma disse que há setores da economia que podem suportar esta redução, que deve ser negociada entre trabalhadores e empregados; enquanto há outros que não tem condições; e que por isso a sociedade deve “amadurecer” e “caminhar para isso”, não havendo como o “governo chegar e definir propostas que tem que emergir na sociedade”.
A íntegra da entrevista, pelo menos até o dia 23 de julho, não estava disponível no site da TV Brasil. Mas, tomando como base a primeira parte, a conclusão é que nossa companheira Dilma Roussef, ao responder as três questões de Valdo Cruz, adotou uma postura desnecessariamente defensiva.
Afinal, o que dizem as diretrizes de programa de governo aprovadas no IV Congresso do PT sobre os três assuntos?
O item 45 do capítulo “Acesso à comunicação, socialização dos bens culturais, valorização da produção cultural e estímulo ao debate de idéias”, defende medidas que promovam a “democratização da comunicação social no país, em particular aquelas voltadas para combater o monopólio dos meios eletrônicos de informação, cultura e entretenimento. Para isso, deve-se levar em conta as resoluções aprovadas pela 1ª. Confecom, promovida por iniciativa do governo federal, e que prevêem, entre outras medidas, o estabelecimento de um novo parâmetro legal para as telecomunicações no país; a reativação do Conselho Nacional de Comunicação Social; o fim da propriedade cruzada; exigência de uma porcentagem de produção regional, de acordo com a Constituição Federal; proibição da sublocação de emissoras e horários; e direito de resposta coletivo”.
Para fugir da acusação de “censura”, sugerida pelo termo “controle social”, a companheira Dilma optou por defender os marcos regulatórios, rejeitando qualquer tipo de controle de conteúdo. Esta abordagem impediu que ela falasse da principal ameaça à democracia, bem como da maior ameaça à pluralidade de conteúdos no Brasil: o monopólio privado dos meios de comunicação.
Por qual motivo, aliás, tais monopólios podem decidir os conteúdos? Por qual motivo a sociedade não poderia, por exemplo, regulamentar a porcentagem de produção regional?
Vejamos agora o que as diretrizes de programa dizem sobre o tema dos tributos, no item 19, ponto i, do capítulo “O crescimento acelerado e o combate às desigualdades raciais, sociais e regionais e a promoção da sustentabilidade ambiental serão o eixo que vai estruturar o desenvolvimento econômico”.
Lá se defende uma “reforma tributária que reduza os impostos indiretos, desonere os alimentos básicos e os bens e serviços ambientais, dê continuidade aos avanços obtidos na progressividade, valorizando a tributação direta, especialmente sobre as grandes fortunas. Deve também estimular a produção e racionalizar o sistema de impostos, favoreça a produção e racionalize o sistema de impostos”.
Como se pode ler, a proposta do PT é ampla e o tema das grandes fortunas é uma entre muitas medidas, necessárias para tratar de um assunto que o Partido sabe ser muito complexo.
De toda forma, responder a uma pergunta acerca do imposto sobre grandes fortunas seria um ótimo “gancho” para abordar o principal problema da estrutura tributária brasileira: a desigualdade, pois em nosso país, quem tem mais riqueza, paga menos imposto.
Ao não falarmos da reduzida progressividade (ou da regressividade) de nossa estrutura tributária, ao limitarmos nossa abordagem ao bom-uso dos recursos e ao peso da carga tributária, deixamos o flanco aberto para a demagogia do grande capital, que fala em reduzir a carga tributária, omitindo que é sobre os trabalhadores e setores médios que recai o maior peso dos impostos.
Além disso, cabe perguntar: foi mesmo “provado” que taxar grandes fortunas seria algo “inócuo”?
Ouvindo com atenção o que disse nossa companheira, registrei que seu raciocínio é cheio de senões: teria sido “provado”, mas apenas “de certa forma”, não havendo “indicador” de que a taxação resultaria “necessariamente” em “grandes benefícios”.
Considerando estes senões e invertendo o raciocínio, a verdade é que Dilma também disse o seguinte: a taxação de grandes fortunas pode resultar em benefícios para a sociedade. Mas se é assim, não teria sido melhor defender com ênfase que nosso governo é a favor da progressividade tributária e que o imposto sobre grandes fortunas é uma decorrência lógica disto?
Finalmente, vejamos o que foi aprovado pelo IV Congresso do PT acerca da jornada de trabalho, tema abordado no item 19, ponto p, do capítulo: “O crescimento acelerado e o combate às desigualdades raciais, sociais e regionais e a promoção da sustentabilidade ambiental serão o eixo que vai estruturar o desenvolvimento econômico”.
Lá está dito o seguinte: “compromisso com a defesa da jornada de trabalho de 40 horas semanais, sem redução de salários”.
Como se pode ler, o PT não defende que a futura presidenta Dilma Roussef edite uma Medida Provisória instituindo a jornada de 40 horas, sem redução de salários.
O que as diretrizes de programa afirmam é nosso compromisso, enquanto Partido, com esta medida civilizatória. Noutras palavras, que nossa candidata e seu futuro governo devem, igualmente, ter compromisso com esta proposta, cuja implementação passa pela mobilização da sociedade e pela aprovação de uma lei no Congresso Nacional. Luta que, em vários momentos, deve contar com o apoio decidido de nosso governo.
Ao abordar o tema de forma defensiva, Dilma perdeu a oportunidade de lembrar que o Brasil não apenas pode combinar aumento da produtividade sistêmica, com melhoria das condições de vida na sociedade, mas que esta combinação exige e supõe jornadas menores e mais tempo para usufruir dos frutos do trabalho.
Ao concluir este exercício de análise da entrevista da companheira Dilma Roussef, vis a vis o que dizem as diretrizes de programa de governo do PT, registro apenas que os três temas questionados foram aclamados no IV Congresso do Partido. Ou seja, ninguém nem ao menos pediu a palavra para fazer qualquer questionamento.
Claro que o PT faz parte de uma coligação; claro que o programa do Partido não será o programa da coligação; claro que o PT é fiador da aliança de governo; mas também é um partido com posições próprias, que merecem ser conhecidas, defendidas e respeitadas, antes de mais nada porque estão em sintonia com as aspirações de uma parcela majoritária da sociedade brasileira que, como disse Dilma no início da entrevista, quer “seguir mudando”.
E seguir mudando exige democratizar a comunicação, fazer os ricos pagarem impostos e reduzir a jornada de trabalho.
Valter Pomar, membro do Diretório Nacional do PT
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