Documento apresentado pela Articulação de Esquerda, para discussão na Esquerda Socialista, na Comissão Executiva Nacional e no Diretório Nacional do PT. Versão preliminar, sujeita a alterações (arquivos disponíveis para download ao final do post).
1. A eleição de Dilma Roussef é uma tripla vitória para o povo brasileiro e para a esquerda latino-americana e mundial. Primeiro, por possibilitar a continuidade do processo de mudanças aberto com a eleição de Luis Inácio Lula da Silva em 2002. Segundo, pelos efeitos culturais resultantes da eleição de uma mulher de esquerda para o principal cargo do país. Terceiro, porque a vitória de Dilma significou também a derrota de uma direita cavernícola, truculenta, histérica.
2. Contradizendo as expectativas de quem afirmava que não havia candidato de direita nas eleições de 2010; desmentindo quem dizia que o PSDB é o partido “da” e não “de” direita; chocando quem acreditava no seu suposto perfil progressista, a candidatura Serra assumiu um discurso abertamente reacionário, e estabeleceu uma aliança explícita com grupos de extrema-direita como a Opus Dei, a TFP, o CCC, os separatistas, os xenófobos e alguns militares golpistas de pijama.
3. Mais do que vencer as eleições, derrotar esta direita provoca não apenas satisfação, mas também alívio. Deve-se reconhecer que foi este sentimento — não só impedir a volta dos neoliberais, mas principalmente barrar uma vitória da extrema-direita — que motivou centenas de milhares de pessoas em todo o Brasil a jogarem-se voluntariamente na campanha de segundo turno, concordando ou não com o governo Lula, gostando ou não da candidatura Dilma, apreciando ou não o PT e nossos aliados. Graças a essa mobilização massiva, não apenas vencemos, mas vencemos de maneira politizada: neste sentido, o ocorrido no segundo turno de 2010 lembra o que ocorreu no segundo turno de 2006.
4. Essas centenas de milhares de pessoas, que não esperaram, nem tiveram, inicialmente, ordem ou orientação da coordenação de campanha, das direções partidárias, das candidaturas, nem muito menos dos marqueteiros, são as principais responsáveis pela vitória de 31 de outubro. A elas, nosso mais profundo sentimento de respeito e agradecimento.
5. Depois da vitória, continua a disputa pelos rumos do país, que tem cada vez maior importância no cenário latino-americano e mundial. A disputa passa, de imediato, pelas ações que vão concluir o mandato de Lula, pela composição do governo Dilma e de nossos governos estaduais, pela definição das prioridades políticas do próximo período.
6. Como tem ocorrido desde 2002, os derrotados pretendem definir a composição e a pauta dos vitoriosos: este é o objetivo dos grandes jornais, das revistas semanais e dos telejornais e radiojornais da Rede Globo, com seus textos em favor do ajuste fiscal e em defesa da nomeação de ministros identificados não com a continuidade das mudanças, mas sim com o ajuste fiscal.
7. A mesma mídia oligárquica que pretende pautar o futuro governo opera em favor da desconstituição da aliança governista, estimulando a cizânia e espicaçando o Partido dos Trabalhadores; ao mesmo tempo em que opera a reconstituição da oposição.
8. Dar conta das tarefas presentes e futuras, ao mesmo tempo em que enfrentamos as manobras da mídia e da oposição de direita, exigirá muita sabedoria política. E esta sabedoria exige, antes de mais nada, que não fechemos os olhos para os gravíssimos erros cometidos durante a campanha eleitoral, erros que poderiam ter nos custado a vitória.
9. Dizem que a derrota é orfã, enquanto a vitória tem muitos pais e mães. Este é um dos motivos pelos quais é fundamental que o PT faça um balanço detalhado do processo eleitoral, sob pena de em 2014 assistirmos à repetição dos erros cometidos em 2010, 2006 e 2002. Sem tal balanço, a vitória fará com que os erros sejam deixados em segundo plano. E algum dia os erros se acumularão tanto, que o final não será feliz.
10. Outro motivo pelo qual é fundamental fazer um balanço detalhado do processo eleitoral é que este é, ao mesmo tempo, fim e início.
11. A eleição de Dilma Roussef encerra ao menos um dos muitos debates que havia sobre o governo Lula: hoje sabemos que o governo Lula não foi um mero hiato progressista numa sequência conservadora; ao invés disso, pode ser o início de um processo de transição. Mas continua a disputa sobre a natureza e a duração desta transição, disputa que será marcada, nos próximos anos, pelo comportamento das forças políticas e sociais durante a campanha eleitoral e pelo balanço que façam da própria disputa.
12. O balanço detalhado inclui a análise fina do conjunto das eleições, não apenas a presidencial. Governadores, senadores, deputados federais e estaduais, votos de cada partido e coligação, magnitude da abstenção, tudo deve ser objeto de um detalhado exame.
13. Neste texto nos limitamos a alguns aspectos que nos parecem centrais na campanha presidencial. Ao final, trataremos do que consideramos sejam os desafios centrais do governo Dilma.
Os resultados
14. Em 2010, estiveram em disputa a Presidência da República, dois terços do Senado, toda a Câmara dos Deputados, 27 governos estaduais e assembléias legislativas.
15. Dez candidaturas disputaram a Presidência da República. Delas, quatro tiveram votação significativa: Dilma Roussef, José Serra, Marina Silva e Plínio de Arruda Sampaio. Ao final do segundo turno, Dilma obteve 56% dos votos válidos. Pouco mais de 20% dos eleitores não escolheram nenhum dos candidatos, preferindo a abstenção, o voto nulo ou branco.
16. Os partidos apoiadores da candidatura Dilma Roussef elegeram o maior número de senadores, deputados/as federais e governadores. Mas a oposição de direita (PSDB e DEM), tendo vencido em estados mais populosos, terá sob suas administrações estaduais um maior número de brasileiros e brasileiras.
17. Majoritária no Senado e na Câmara dos Deputados, a coligação apoiadora de Dilma Roussef é composta por partidos de direita, centro e de esquerda. A esquerda propriamente dita (PT, PCdoB, PSB, PDT e alguns parlamentares de outros partidos) reúne em torno de 30% dos parlamentares.
18. O PT cresceu no processo eleitoral. Mas não houve “onda vermelha”. Perdemos o governo do Pará; elegemos um aliado no governo do Piauí (anteriormente governado por nós); vencemos com dificuldade no Acre (onde a candidatura Serra foi amplamente vitoriosa) e em Sergipe; enfrentamos segundo turno no Distrito Federal. Somente no Rio Grande do Sul e na Bahia podemos falar, sem senões, de vitórias políticas e eleitorais do Partido.
19. No parlamento federal, o PT cresceu em número de senadores e deputados, se o parâmetro for as bancadas que tínhamos no final de 2010. Mas é preciso atentar para a evolução histórica: elegemos 1 senador em 1994, 4 senadores/as em 1998, 3 senadores/as em 2002, 10 senadores/as em 2006 e 12 senadores/as em 2010. Já na Câmara dos Deputados o desempenho foi o seguinte: 8 em 1982, 16 em 1986, 35 em 1990, 50 em 1994, 59 em 1998, 91 em 2002, 83 em 2006 e 88 em 2010. Como sabemos, a comparação é mais complexa no caso do Senado, devido ao voto majoritário e à eleição alternada de 1 e 2 senadores. Mas a comparação é direta no caso da Câmara dos Deputados: crescemos pouco em relação a 2006 e não crescemos em relação a 2002. O mesmo vale para as Assembléias Legislativas: em 2002 elegemos 146 deputados/as; em 2006 elegemos 126 deputados/as; em 2010 elegemos 149 deputados/as. Como dissemos, não houve onda vermelha nesta eleição.
O primeiro turno
20. O resultado do primeiro turno confirmou nossas previsões: a disputa foi para o segundo turno, ao contrário das ilusões propagadas por parte da direção do Partido e da campanha; foi eleita uma maioria governista no Senado, na Câmara dos Deputados e entre os governadores; porém, ficamos muito longe de qualquer coisa que se possa chamar de maioria de esquerda; o Partido dos Trabalhadores cresceu no Senado, cresce pouco na Câmara dos Deputados e mantém mais ou menos o mesmo espaço nos governos estaduais; mas, olhando os dados finos, percebe-se o efeito negativo, sobre o desempenho do PT, de algumas alianças.
21. No primeiro turno de 2010, tal e qual ocorreu em 2006, uma parte do PT e da campanha evoluiu do absoluto pessimismo para um otimismo irresponsável, que dava como praticamente garantida a vitória no primeiro turno. Em nome desta suposta vitória garantida, aqueles setores adotaram uma política de baixa politização, defensiva, implicando quase nenhuma participação da militância e campanha de rua. Política que nos levou não à vitória no primeiro turno, mas sim à necessidade de um segundo turno para definir a eleição.
22. É tal atitude, talvez, que explica o semblante abatido dos dirigentes petistas presentes à coletiva dada logo após o primeiro turno. Ou seja, aquilo que deveríamos comemorar — Dilma, que afirmavam que nunca se elegeria, só deixou de ganhar já no primeiro turno por um pequeno percentual — foi tratado como se fosse uma “derrota”. Quando na verdade, na primeira eleição sem Lula como candidato, o resultado obtido no primeiro turno foi uma grande vitória.
23. Poderíamos ter vencido no primeiro turno? Pouco provável. A julgar por 2002 e 2006, nada menos inesperado do que um segundo turno. Mas teria sido possível, caso tivéssemos adotado uma tática simples: politizar, polarizar e mobilizar. Mas não foi isso que vimos na campanha presidencial do primeiro turno. Pelo contrário, investimos pouco no debate programático e na mobilização militante. A campanha oficial foi altamente centralizada e dependente da TV.
24. O terrorismo religioso e a onda de calúnias dos últimos dias do primeiro turno ganhou espaço, em parte, devido à nossa incapacidade de pautar de maneira diferente o debate político. Como não pautamos, a direita tratou de pautar.
25. O debate ideológico implementado pela direita não é apolítico, nem despolitizante. O que acontece é que na esquerda brasileira, o administrativismo fez muita gente perder de vista que debater valores, debater ideologia, visão de mundo, faz parte da disputa política. E a “guarda baixa” fez com que víssemos amigos, ou neutralidade, onde havia inimigos. Como se veria no segundo turno, por exemplo, a ênfase no tema do aborto foi pautada diretamente pelo Vaticano, o mesmo Vaticano com quem firmamos um protocolo diplomático bastante questionável.
26. E que se diga também: os bispos conservadores estão no seu pleno direito democrático, ao defender sua posição nas eleições. O que precisamos é derrotar suas idéias retrógradas e reduzir o seu peso político, ao invés de pretender que não tenham o direito de influenciar nos processos eleitorais.
27. Ainda sobre o terrorismo religioso, é fundamental deixar claro que o segundo turno nunca deveria ter sido uma surpresa, porque era desde sempre o mais provável; que a ofensiva contra nós, nas últimas semanas, era previsível e aconteceria de qualquer modo; que seu efeito foi maior porque abrimos o flanco; e que abrimos o flanco, sobretudo, porque fizemos uma campanha excessivamente “paz e amor” na política.
28. O contrário do que foi dito por setores da imprensa, que acusaram Lula de ter radicalizado contra a mídia, o que teria levado o “povão” a reagir votando contra Dilma. Uma piada, esta explicação, mas houve quem a defendesse na “mídia gorda” (O Globo, Veja) e até quem se orientasse por ela na direção da campanha.
29. Da mesma forma, houve quem tentasse baixar nossa campanha ao mesmo nível da adversária. Foi o caso, inesquecível, do secretário de comunicação nacional do Partido, que postou uma mensagem segundo a qual “o verdadeiro cristão não vota em Serra, por causa da pílula do dia seguinte”. Abjetas, afirmações deste tipo nos empurravam para a vala comum do terrorismo religioso, obscurantista, medieval. Quando o certo era sustentar tranquilamente o que está no programa de Dilma, inscrito no Tribunal Superior Eleitoral, a saber: “Promover a saúde da mulher, os direitos sexuais e direitos reprodutivos: o Estado brasileiro reafirmará o direito das mulheres ao aborto nos casos já estabelecidos pela legislação vigente, dentro de um conceito de saúde pública”.
30. O que ocorreu no primeiro turno refletiu, em primeiro lugar, um problema político-sociológico que já havíamos apontado noutro lugar: a ascensão material das camadas populares, proporcionada pelo governo Lula, não foi acompanhada de politização equivalente, motivo pelo qual a influência ideológica da direita, da mídia, das igrejas, das teologias da prosperidade e similares continua imensa.
31. Refletiu, também, uma indisposição de setores médios contra nosso governo e contra nosso Partido, cujas raízes materiais estão na política que eleva a vida dos pobres, sem tocar no ganho dos ricos. E cujas raízes ideológicas estão no conservadorismo que é historicamente hegemônico nos setores médios.
32. Mas o que ocorreu no primeiro turno resulta, ainda, da postura defensiva que predominou na campanha, sob os mais variados argumentos: o de que Dilma nunca tinha disputado eleição, o de que a eleição dependia basicamente do efeito Lula, o de que teríamos condição de vencer no primeiro turno desde que não arriscássemos etc. Os efeitos práticos disto já sabíamos: quem joga na retranca, não está livre do risco de um gol inesperado no fim do segundo tempo.
33. O que significaria sair da defensiva? O que significaria uma campanha ofensiva? Significaria basicamente politizar, polarizar e mobilizar. Envolver a base do partido, a base dos movimentos sociais, a base política e social que apóia nosso governo. Para ser exato: para enfrentar o terrorismo da direita, não precisávamos mudar de posição, precisávamos mudar de assunto. E colocar o futuro do povo brasileiro no centro do debate.
34. Foi isso que, com algum atraso e dificuldade, fizemos no segundo turno. Somado à mobilização militante, foi assim que garantimos a vitória.
A polarização
35. Logo após o segundo turno, o jornal Folha de S.Paulo divulgou que, num debate entre acadêmicos, três em quatro chegaram à conclusão de que não haveria verdadeiras diferenças entre PT e PSDB. Portanto, a polarização estabelecida na campanha eleitoral teria sido artificial. Por mais estranho que possa parecer, esta tese possui guarida em setores do PT e da campanha e explica tanto o tom adotado durante o primeiro turno, quanto a dificuldade de mudar de linha, no segundo turno.
36. Quatro candidaturas disputaram efetivamente a eleição presidencial. Duas delas polarizaram o processo: PSDB e PT. As outras duas avaliavam como artificial esta polarização: o PV que dizia existirem as bases para uma aliança entre tucanos e petistas; e o PSOL que reclamava da existência de uma aliança entre tucanos e petistas.
37. A votação obtida pelo PSOL, mesmo somada à votação obtida pelos demais candidatos da oposição de esquerda (PCB, PCO e PSTU), confirma os limites estratégicos desta vertente política. Isto decorre em parte da linha adotada pela candidatura Plínio, em parte da existência da candidatura Marina, em parte da linha direitista adotada pela candidatura Serra.
38. Falar do enfraquecimento da ultra-esquerda não implica em desconhecer seu bom desempenho eleitoral em algumas unidades da federação: Distrito Federal, Pará, Amapá, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul. Nem significa menosprezar o apoio de seus parlamentares à campanha Dilma, no segundo turno. Muito menos perder de vista o espaço que existe para uma oposição de esquerda ao governo Dilma. Motivos que devem nos levar a uma postura ativa, de conquistar estes setores para uma nova atitude na sua relação com o PT, reatando com nosso partido e fortalecendo as posições de esquerda em seu interior.
39. A candidata do Partido Verde recebeu uma expressiva votação, qualitativamente superior aos sufrágios recebidos por Heloísa Helena, Ciro Gomes e Cristovam Buarque em 2002 e 2006. Mas esta votação é produto de distintos vetores: o voto de um setor insatisfeito com o PT e com o PSDB; o voto de um setor que busca um discurso de novo tipo, onde o tema ambiental tem grande atrativo; e o voto conservador, produto do terrorismo religioso. É importante dizer que o discurso adotado por Marina não foi eco-socialista, mas sim eco-liberal. A votação obtida por Marina possibilitou o segundo turno, funcionando também neste caso como linha auxiliar do PSDB.
40. Dado que a disputa foi para o segundo turno, entre PSDB e PT, as demais forças políticas e sociais, gostando ou não, tiveram que se decidir entre uma ou outra, confirmando na prática a existência de diferenças e a capacidade de atração que ambas possuem sobre as demais.
41. O primeiro ponto que precisa ser reafirmado, portanto, é: a polarização existe, possui base real e é em torno dela que deve continuar se organizando a macropolítica brasileira.
42. A disputa PT versus PSDB expressa, nos tempos modernos, a polarização que marcou toda a história brasileira, entre duas vias de desenvolvimento: a conservadora (crescimento sem distribuição) e a democrática (crescimento com distribuição). O fato de expressar uma característica estrutural da sociedade brasileira não implica que esta polarização seja inevitável, que ela não possa ser desfeita ou, ainda, que ela não possa comportar baixos teores programáticos.
43. Trabalham contra a polarização PT versus PSDB: os setores da ultra-esquerda que não enxergam diferenças entre petistas e tucanos e buscam, portanto, construir uma “verdadeira alternativa”; a candidata Marina Silva e seus apoiadores “verdes”, que buscam construir uma terceira via competitiva em 2014; setores da oposição, que defendem construir um discurso oposicionista de novo tipo; setores da coligação que apoiou Dilma, que trabalham para construir uma candidatura presidencial não petista em 2014; setores do PT, que defendem um acordo com setores da oposição, supostamente para isolar os fundamentalistas. Até o momento, contudo, a realidade tem pesado mais do que o desejo dos setores acima citados.
44. A dinâmica da crise internacional está impondo opções. Como sempre dissemos, questionando a opinião ingênua de setores do Partido e do governo, a crise será prolongada e vai se aprofundar, adquirindo conotações cada vez menos “econômicas” no sentido estrito e cada vez mais conotações político-militares, como se vê nos Estados Unidos, em que mesmo setores democratas já falam da guerra como uma saída.
45. O compromisso de “seguir mudando” exigirá alocar recursos compatíveis. O Estado brasileiro não dispõe de recursos suficientes para manter e ampliar o volume de investimentos necessários, seja para manter altas taxas de crescimento, seja para ampliar as políticas sociais. O conflito distributivo vai se ampliar. Uma reforma tributária (regressiva ou progressiva) será inevitável, com todas as consequências políticas disto. A pressão pelo ajuste fiscal é a resposta da direita a este dilema, resposta que possui pontos de apoio internos à coligação governista, como se depreende da campanha que alguns setores da mídia fazem em favor de determinados ministeriáveis.
46. A dinâmica reacionária de setores médios e ricos imporá polarizações. Como sempre dissemos, “a burguesia não nos faltará”. Contra os ingênuos e os conciliadores, fala mais alto a atitude agressiva da direita, que reage a um governo moderado e conciliador como se estivesse diante de um governo socialista e revolucionário.
47. Por outro lado, a luta por melhorias sociais também produzirá deslocamentos. As classes trabalhadoras já demonstraram, ao longo destes quase oito anos, que sabem aproveitar o momento favorável da economia para ampliar seus ganhos. Esta dinâmica de lutas sociais terá prosseguimento no próximo período, estimulando também um quadro de polarização entre dois projetos de país.
Derrotar a oposição
48. Em resumo, a eleição presidencial confirmou algo que deve ser parâmetro para o próximo governo: podemos e devemos fazer movimentos táticos, para neutralizar ou dividir a oposição; mas o movimento estratégico exige que derrotemos efetivamente a oposição, reduzindo a sua base de massa e eliminando duas de suas fontes de poder: o financiamento privado das campanhas eleitorais e o monopólio da comunicação.
49. Derrotar a oposição não é apenas vencer as eleições. Derrotar a oposição é derrotar a política da oposição, em três planos, distintos mas articulados:
a) o neoliberalismo, especialmente a hegemonia do capital financeiro e a subordinação aos interesses dos Estados Unidos;
b) o desenvolvimentismo conservador, especialmente a idéia que desvincula crescimento econômico de elevação da democracia e das condições de vida da população;
c) a ideologia reacionária, visão de mundo e cultura coletiva da classe dominante brasileira e dos setores médios por ela hegemonizados.
50. Para derrotar a oposição neste sentido, não apenas eleitoral, mas também político-ideológico, é preciso abandonar as ilusões administrativistas e valorizar o papel estratégico do Partido, a saber: o de mudar a correlação de forças, para conquistar o poder. Cabe ao Partido colocar na sua agenda a luta pela reforma política, pela quebra do monopólio da comunicação, pela ampliação e mudança qualitativa nas políticas sociais. Assim como enfrentando os temas da Defesa, dos Direitos Humanos e da Justiça.
51. Assim como cabe ao Partido, num plano tático, desmascarar as várias caras da oposição (da reacionária até a supostamente light de Aécio) e conduzir a oposição nos estados e municípios por ela governados, preparando desde já as eleições de 2012.
52. Cabe ao Partido, principalmente, voltar a fazer trabalho de massa, de disputa política permanente, inclusive ideológica. Hegemonia exige disputa cotidiana e incansável. Não se trava apenas nos períodos eleitorais. E não se trava apenas, nem mesmo principalmente, a partir do governo. Um dos problemas do governo Lula foi que setores do Partido se acomodaram e aceitaram terceirizar, para o presidente, um papel que cabe ao Partido: o do diálogo com as grandes massas populares. Papel que o Partido só executará se tiver quadros capacitados e um processo permanente de formação destes quadros.
53. Nossa vitória se deve ao apoio das camadas populares. E são elas que devem continuar sendo a prioridade do nosso governo federal. Mas é preciso compreender e combater as razões que permitem, à oposição de direita, conquistar tantos governos de estado e obter 44% dos votos.
54. Entre estas razões, que explicam a força da oposição de direita, estão três deficiências estratégicas do governo Lula. A primeira delas é: a elevação das condições de vida material do povo não foi obtida através de uma reforma tributária ou alguma outra medida que afetasse os super-ricos. Essa “intocabilidade” dos super-ricos, embora neutralize certos segmentos do grande empresariado, ajuda a indispor contra nós amplos setores médios.
55. A segunda das razões que explicam a força da direita é que a elevação das condições de vida material do povo não foi acompanhada de equivalente elevação do nível político, cultural, ideológico. Isto faz com que amplos setores populares, inclusive aqueles que são equivocadamente denominados de “nova classe média”, acabem se incorporando à base de massa do conservadorismo, junto aos chamados “setores médios”.
56. Neste sentido, o PT não pode incorporar ingenuamente o discurso de que somos um “país de classe média” e da “igualdade de oportunidades”, sem perceber que o país de onde se extraíram estes dois paradigmas é o Estados Unidos, onde a esquerda foi sufocada, entre outras razões, pelo estabelecimento de uma visão de mundo que deixa em segundo ou terceiro plano os valores coletivos e sociais.
57. Uma das maiores ameaças ao sucesso do nosso governo e à sua continuidade em 2014 está na ilusão de que se pode seguir avançando indefinidamente sem enfrentar temas cruciais como a progressividade tributária, o imposto sobre grandes fortunas e o monopólio/oligopólio da comunicação. E, principalmente, sem que o PT recupere a prática da luta político-ideológica permanente, ininterrupta e militante.
58. Na campanha eleitoral, estes temas ou não foram tratados, ou não foram tratados adequadamente. E não adianta jogar a culpa na oposição de direita. Pois ficou evidente, no primeiro debate do segundo turno, que, quando quisemos, conseguimos pautar a campanha. A verdade é que nossa campanha acomodou-se, em parte por influência de setores internos que preferiam ganhar sem derrotar, que não aceitavam facilmente a idéia de comparar governos, de sepultar uma vez mais a herança maldita. Neste sentido, registre-se positivamente muitas das intervenções de Lula durante a campanha, demarcando o campo de classe, de projeto, de partido.
59. O que ocorreu com nosso programa de governo, tanto no primeiro quanto no segundo turno, é uma expressão desta acomodação. No primeiro turno, tivemos o episódio patético e constrangedor ocorrido quando do registro da candidatura Dilma. Como todos sabem, agora é obrigatório que as candidaturas apresentem seu programa, quando do registro na justiça eleitoral. Para o PT esta obrigação legal nunca foi necessária: desde 1982 sempre apresentamos nossos programas de governo. Ocorre que a candidatura Dilma não é uma candidatura apenas do PT, mas sim de uma ampla coligação de partidos. Por isto, a coordenação da campanha decidiu que seria apresentado um texto-síntese. Mas, por razões que nunca foram totalmente esclarecidas, esta síntese não foi redigida e, no momento do registro da candidatura Dilma, um advogado contratado pelo setor jurídico da campanha registrou o programa do Partido e não a síntese que deveria ter sido elaborada pela campanha. Quando a confusão foi descoberta, a emenda conseguiu ser pior do que o soneto: o legítimo programa do PT, que não deveria ter sido inscrito, foi achincalhado publicamente; e um novo texto foi inscrito, a partir de um “copidesque” do programa do PT, um resumo que chegou ao absurdo de suprimir a defesa do imposto sobre grandes fortunas. E foi com este texto que enfrentamos o primeiro turno, pois ao que tudo indica predominou na coordenação de campanha a idéia de que o programa era desnecessário e causaria polêmica. Que, como sabemos, deu-se por vários motivos, inclusive pela ausência de um programa oficial.
60. Quando iniciamos o segundo turno, estava claro que haveria um embate programático. E, novamente, a expectativa era de que o programa seria enfim publicado, inclusive os programas setoriais. Mas foi só no final do segundo turno que se publicou, não o programa, mas 13 “compromissos programáticos”, um panfleto minimalista que alguém, supostamente com sentido humorístico, disse ser mais apropriado para nossos tempos de pouca leitura. Sobre o conjunto destes acontecimentos, temos a obrigação de dizer que consideramos uma vergonha, não há outra palavra, que nossa coligação não tenha publicado um programa de governo que mereça este nome. Registre-se que tampouco a candidatura Serra apresentou programa. Por outro lado, é lamentável a influência religiosa sobre nossa campanha. É revelador que depois de anos falando de “republicanismo” e “revolução democrática”, setores do nosso Partido não tenham conseguido sustentar posições laicas e tenhamos tido que buscar o aval de bispos, padres e pastores mais progressistas, para não falar das invocações divinas. É igualmente revelador que alguns dirigentes partidários tenham encampado críticas a bandeiras feministas e humanistas, mostrando que certo reacionarismo não é exclusivo das fileiras da oposição. Para não falar na atitude temerosa com que se abordou o tema da redução da jornada de trabalho, mostrando o quão profunda é a hegemonia da economia política do Capital sobre os setores desenvolvimentistas da nossa coligação e do próprio PT. Novamente, o extremado reacionarismo da candidatura Serra não pode ser apresentado como álibi.
61. No fundo destes erros e vacilações, está uma incompreensão do que significa disputar hegemonia, como se fazê-lo implicasse em demarcar menos, em debater menos, em polarizar menos. Quando se trata exatamente do contrário disto. A disputa de hegemonia exige fazer, em sentido e conteúdo oposto, tudo aquilo que as classes dominantes fazem contra nós todo santo dia: guerra de posição. Contra uma direita que buscará dividir a coalizão governamental, paralisar o governo diante de reais ou fictícios deslizes, desacreditá-lo frente às grandes massas da população e, mesmo, impor saídas extra-constitucionais para liquidar uma experiência que, apesar de lenta e contraditória, aponta no rumo de uma transformação das camadas populares em protagonistas e reais participantes da história.
62. É preciso reconhecer, aliás: diferentemente de 2006, a direita, apesar da derrota eleitoral, não saiu desmoralizada da campanha. No primeiro turno, enquanto do nosso lado muitas vezes faltou emoção e mesmo campanha no antigo sentido da palavra, do lado deles se constituiu um “núcleo duro” reacionário, que se projetará pelos próximos anos. Nós ganhamos na defensiva; eles perderam com discurso de vitoriosos: saíram eleitoralmente desorganizados, mas reencontraram seu filão ideológico.
Hegemonizar as alianças
63. Um terceiro ponto que precisa ser debatido é a política de alianças. Lembramos que foi vitoriosa, no Congresso do PT, a política de construir um amplo leque de aliados já no primeiro turno, estabelecendo uma polarização eleitoral de tipo plebiscitário. Embora não fosse explicitada, havia a intenção de liquidar a fatura já no primeiro turno.
64. Esta política teve êxito parcial: o leque de aliados foi amplo, incluiu o PMDB, ampliou o tempo de TV e vitaminou a candidatura presidencial. Mas não impediu a existência de uma “terceira via” eleitoral (a candidatura Marina), tampouco garantiu a vitória no primeiro turno. Apesar disso, não se pode dizer que a política de alianças tenha sido eleitoralmente prejudicial na disputa presidencial. Até porque os erros cometidos na condução da campanha tiveram origem no próprio PT e não se devem a pressões de aliados — parte desses erros, aliás, deve ser creditada à influência ideológica do inimigo sobre integrantes da nossa própria coordenação de campanha.
65. O mesmo não vale para as eleições estaduais. O que ficou mais uma vez claro, nesta eleição, é que a política de alianças nacional significa uma barreira objetiva para o crescimento do PT nas eleições para governos estaduais.
66. Além das alianças eleitorais, determinadas alianças sociais também não passaram pelo teste das urnas. Depois de dois mandatos em que o agronegócio foi tratado como aliado, que resultado colhemos nas disputas travadas naqueles estados onde o agronegócio é hegemônico? A verdade é que a grande burguesia sabe seu lado e não se ilude com rebaixamentos programáticos.
67. O número de governadores eleitos pelo partido é baixo, quando se leva em conta o fato de que será iniciado nosso terceiro mandato presidencial consecutivo! Sofremos uma derrota muito grave no Pará, desconstruímos as alternativas petistas no Piauí. Nossa vitória no Acre está maculada pela votação obtida pela candidatura Serra. Sofremos uma derrota gravíssima em Minas Gerais, como resultado da política pró-Aécio de Pimentel e do aliancismo pró-PMDB. O apoio de setores do PT garantiu a vitória da oligarquia Sarney no Maranhão, o que é uma vergonha para nossa história. Também sofremos derrotas sérias em outros estados, como Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso, que precisam ser analisadas no detalhe. Em São Paulo, não fomos ao segundo turno em certa medida devido à política implementada por Lula, que defendia Ciro Gomes como candidato, nos impondo uma perda de tempo que custou caro na reta final.
68. Ao mesmo tempo em que foram bloqueadas diversas candidaturas petistas a governador, este bloqueio não foi compensado sequer por um crescimento elevado nas bancadas estaduais, federais e Senado. Ainda que tenhamos crescido nas casas parlamentares, este crescimento ainda não configurou um salto qualitativo, nem mesmo quantitativo em relação a 2002.
69. Precisamos de alianças para vencer, para governar e para transformar o país. O governo Dilma, como o governo Lula, será um governo de centro-esquerda com aliados de direita. Mas o PT é um partido de esquerda e deve saber combinar o apoio ao governo com a disputa interna e externa pelos rumos deste mesmo governo.
70. Neste sentido, o PT deve ousar e propor, ao PCdoB, ao PSB e ao PDT, a constituição de uma federação partidária de esquerda, parcialmente inspirada no exemplo da Frente Amplio do Uruguay. Esta medida é necessária tanto para potencializar a esquerda, quanto para neutralizar o PMDB, assim como para conter as tentativas, vindas de setores da própria esquerda, de derrotar o PT.
71. A verdade é que o PT vive uma situação paradoxal. Cresceu, inclusive eleitoralmente. Mas este crescimento enfrenta sérias debilidades, eleitorais, políticas e organizativas. Que, se não forem enfrentadas, significarão mais cedo ou mais tarde que o PT terá dificuldades de manter o apoio dos aliados a uma candidatura petista à Presidência da República, além de afetar negativamente a natureza programática desta hegemonia.
72. Uma das debilidades do PT se verificou na própria campanha eleitoral. O nível de entrosamento entre o Partido e a campanha Dilma, especialmente no primeiro turno, foi sofrível. A crença no poder isolado da TV, a idealização dos marqueteiros, a desconsideração para com as instâncias e para com a inteligência partidária, a terceirização e a ultra-centralização quase nos levaram para o desastre eleitoral. Sem falar no tratamento dado ao Partido, seja no tema do programa, seja frente aos ataques sofridos pelo petismo. Este conjunto de fatos remete para o enfraquecimento do Partido frente ao governo, problema aliás presente em todos os países e experiências onde a esquerda alcançou a força a que chegamos no Brasil.
73. Outra das debilidades do PT é mais profunda e precisa ser dita com todas as letras: o PT corre o risco de transformar-se num partido de centro-esquerda tradicional, convencional, integrado ao establishment, atravessado pelo fisiologismo e pelo pragmatismo, afetado pela corrupção sistêmica.
74. Hoje, quando observamos a política brasileira, enxergamos um paradoxo: nunca a esquerda foi tão forte institucionalmente; mas, ao mesmo tempo, a degeneração dos hábitos e costumes segue presente. Há várias maneiras de explicar e interpretar este paradoxo. Uma delas é que o PT, ao exercer uma crítica radical dos hábitos e costumes da política brasileira, cumpriu um papel civilizatório dentro da chamada democracia eleitoral burguesa.
75. A partir de um certo momento, contudo, relegamos a segundo plano esta dimensão cultural, ideológica, exemplar, da ação partidária. Fomos nos acomodando por exemplo à prática das carreiras políticas individuais e ao sistema de financiamento privado das campanhas eleitorais. A tal ponto que muitas de nossas campanhas terceirizaram a militância, com a contratação de cabos eleitorais, havendo também acusações de que mesmo petistas “compram” votos. O resultado é o exacerbamento de todos os defeitos e vícios da democracia eleitoral burguesa. É neste contexto que enquadramos o debate sobre a ética e a corrupção, que em nossa opinião continuarão sendo um dos aguilhões da direita contra nós.
76. A nossa incorporação ao establishment explica, ao menos em parte, a dificuldade crescente experimentada por nós junto à juventude. Em 2014 e 2018, parte expressiva do eleitorado brasileiro terá nascido e crescido sob governos petistas. Para estas pessoas, que sentido terá “comparar governos” ou falar da “herança maldita dos neoliberais”? Se não recuperarmos nossa capacidade de propor um futuro diferente, seremos engolidos pela fadiga de material e pela indiferença de um eleitorado jovem, crítico e insatisfeito, como aliás precisa mesmo ser, num país tão marcado pela desigualdade e pelo conservadorismo.
77. Por tudo o que foi dito antes, a reforma política, especialmente o financiamento público e o voto em lista, não constitui um detalhe: é uma condição de sobrevivência para o PT. Não para o PT como máquina eleitoral: esta até pode sobreviver, mesmo que controlada por interesses privados, fisiológicos, pragmáticos. O que não sobreviverá, se não fizermos reforma política, será o PT como partido socialista, de esquerda, democrático-popular. Achamos que esta preocupação, que não é só nossa, mas de amplos setores, precisa embasar uma reação urgente do petismo. Que inclui compreender que o lulismo não é uma resposta para estes problemas.
Desafios do próximo período
78. A grande mídia quer pautar o governo Dilma, pretendendo que ele seja uma continuidade do primeiro e não do segundo mandato de Lula. De nossa parte, entendemos que o governo Dilma terá que dar continuidade, mas principalmente terá que ser diferente do governo Lula. Ser uma simples continuidade do governo que sucede significaria prostrar-se diante dos limites que adversários e alguns aliados pretendem impor a governos democráticos e populares. O que seria um desastre para o desenvolvimento dessas experiências inusitadas da história brasileira. Mas precisamos dar continuidade à transição aberta nas eleições de 2002, em condições que num certo sentido são mais complexas e difíceis, e frente às quais um setor do Partido e do governo tende a adotar uma atitude recuada, tal como fez no primeiro turno da campanha eleitoral.
79. O governo Dilma só pode ter sucesso se for muito além dos avanços do governo Lula. Pode e deve tomá-los como suporte, mas terá que considerar diferentes tanto os problemas herdados quanto os emergentes.
89. Ganhou destaque, legitimidade e prioridade ainda
maiores a chamada “questão social”. A retórica demagógica adotada de última hora por Serra (ao prometer aumento do salário mínimo para 600 reais, décima-terceira bolsa-família etc.) foi um reconhecimento do peso político que essa questão tem hoje no país.
90. Assim, mais do que o governo Lula, o governo Dilma terá que operar medidas que avancem na solução dos problemas relacionados à “questão social”, ou seja, aqueles que dizem respeito à superação das atuais condições de vida da maior parte da população brasileira. Além de conferir à educação e à saúde a prioridade que ambas merecem, precisará avançar nas políticas de saneamento, transportes públicos e moradias, aproveitando os eventos esportivos internacionais a serem realizados no Brasil. Precisará alcançar o pleno emprego, seja através do desenvolvimento industrial, seja através das demandas de aumento substancial da produção agrícola, para assentar os milhões de trabalhadores que não têm terra para trabalhar.
91. O mesmo é verdade para o combate à corrupção. Se esta já era uma questão constrangedora da sociedade brasileira, ela se tornou um perigo constante para um governo que pretende avançar na ampliação da democracia e no benefício das grandes camadas populares da população. Será necessário avançar ainda mais na legislação que pune corruptos e corruptores e não vacilar em afastar aqueles que, mesmo estando no governo, no PT ou na esquerda, cometem atos dessa natureza.
92. O governo Dilma terá de combinar os processos aparentemente antagônicos de desenvolvimento econômico e social e de proteção ambiental, através da solução de questões como a fundiária, do zoneamento agrícola e do zoneamento florestal. O que exigirá, por exemplo, uma revisão profunda do Código Florestal em tramitação no Congresso, sintonizado com os interesses do agronegócio.
93. A questão nacional e as relações internacionais multipolares
continuarão sendo um tema estratégico de primeira grandeza para o governo Dilma. Diante de um quadro cada vez mais complexo, em virtude da crise mundial do capitalismo, precisará reafirmar a soberania e a independência, ao mesmo tempo em que deverá se esforçar para manter relações pacíficas com todas as nações, independentemente de seu regime político, tendo os interesses nacionais do Brasil em primeiro lugar.
94. A ampliação da democracia, abrindo cada vez mais espaços para as grandes camadas sociais da população brasileira, e tendo em conta sua opção de solucionar seus problemas através do voto, continuará sendo determinante para o sucesso do novo governo. O que implica enfrentar a realização da reforma política.
95. O desenvolvimento nacional é visto por cada setor social de acordo com seu próprio interesse de classe. Devemos lutar para que o governo Dilma impulsione um tipo de desenvolvimento que resulte, principalmente, na recomposição da força social da classe dos trabalhadores assalariados. Portanto, nesta perspectiva, trata-se de crescimento com distribuição de renda, no qual a reforma tributária assume um aspecto central.
96. Do ponto de vista emergencial, teremos que enfrentar o problema do câmbio, que carrega grande perigo para o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Os
Estados Unidos ingressaram numa política de desvalorização cambial comandada pelo Estado, no rumo contrário do câmbio flutuante que exigem para os demais países, enquanto o governo brasileiro continua engajado nesse tipo de câmbio. Para evitar a necessidade de uma maxidesvalorização, o governo brasileiro terá que adotar mudanças que garantam a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional.
97. O governo Dilma terá sempre que trabalhar para obter maioria para seus projetos no Congresso, em especial aqueles que podem beneficiar as camadas populares e a nação, em detrimento de alguns interesses econômicos e sociais da burguesia. Terá que praticar constantemente o método de unidade e de luta no seio da coalizão governamental, tendo sempre as questões sociais e nacionais como parâmetros principais. Supor que contará eternamente com os votos de todos os parlamentares da chamada base aliada não passa de um sonho.
98. Por isto mesmo, é essencial que o Partido dos Trabalhadores e as demais forças de esquerda partidária e social estabeleçam um acordo em torno de uma pauta mínima e de um processo de mobilização.
99. As conquistas dos últimos anos — geração de milhões de empregos com carteira assinada, combate ao trabalho escravo, legalização das centrais sindicais, fortalecimento do poder público, recomposição dos salários do funcionalismo federal — são importantes, mas não bastam, quando confrontadas com a pauta histórica de reivindicações das classes trabalhadoras brasileiras.
100. O governo Lula ficou devendo, para ficarmos em alguns exemplos mais gritantes, uma reforma agrária digna desse nome, bem como a extinção do fator previdenciário e a recomposição do poder aquisitivo das aposentadorias e pensões acima do salário-mínimo.
101. Lembremos de outras pautas centrais do movimento sindical: redução da jornada sem redução de salário; fim das demissões imotivadas (aprovação, pelo Congresso, da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, conforme projeto enviado por Lula); respeito à atuação dos sindicatos no interior das empresas, o que inclui livre movimentação dos sindicalistas e liberdade para criação e funcionamento de comissões internas (organização no local de trabalho, conhecida pela sigla OLT).
102. Há também outras bandeiras e reivindicações que, mesmo quando defendidas por categorias específicas, pertencem ao conjunto dos movimentos sociais. É o caso do investimento em larga escala no Sistema Único de Saúde (SUS), para que a saúde pública torne-se efetivamente digna, universal e de qualidade. É também o caso do investimento anual de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no sistema público de ensino, em todos os níveis, sem esquecer de conferir prioridade máxima à erradicação do analfabetismo e ao combate ao analfabetismo funcional.
103. O atendimento dessas reivindicações acarreta (e exige, simultaneamente) uma ampliação das liberdades democráticas em nosso país, pois políticas públicas desse teor se chocam contra poderosos interesses econômicos. Assim, para atendê-las será preciso avançar na luta política e ideológica contra os porta-vozes e representantes do capital, o que coloca na ordem do dia a pauta de democratização da comunicação.
104. Cabe ao PT, enfim, continuar trilhando o caminho que pode levar a classe trabalhadora não apenas ao governo, mas ao poder. E queremos que a companheira Dilma, que demonstrou ao longo da campanha sua capacidade de superação e fibra, esteja na frente desta trilha.
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