A luta contra os bandos armados de traficantes que dominam as favelas já levou à tomada dos territórios, pelo governo do estado do Rio de Janeiro.
13 das mais de mil favelas existentes na cidade. As últimas duas, as da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, foram apressadas pelas ações de terrorismo urbano dos traficantes e trouxeram à tona diversas das contradições com que se defronta o Estado brasileiro, assim como as forças populares e democráticas da cidade maravilhosa.
Por um lado, a população das favelas se sente libertada e, neste momento, em grande parte estimulada pela mídia, canta loas à polícia civil e militar, à marinha e ao exército, por sua ação libertadora. Pretende que as forças policiais e militares permaneçam no território e que o governo instale as UPP como presença dissuasiva permanente. Este é, digamos, o resultado positivo e, de certa forma, inusitado do acontecimento.
No entanto, embora o Estado e, em especial, suas polícias civil e militar tenham recuperado momentaneamente seu prestígio, isto acontece no momento mesmo em que o filme Tropa de Elite 2 vem colocando a nu a corrupção que grassa na polícia militar. Não é segredo para ninguém que parte dessa polícia se transformou em “milícia de negócios’, que substituiu os traficantes numa série considerável de favelas cariocas e domina suas populações com a mesma mão de ferro e o mesmo terror.
Numa das ironias de que a história é pródiga, o acaso da ignorância dos traficantes quanto à sua própria força relativa impôs à polícia militar do Rio, inclusive à parte que antes negociava com aqueles traficantes, a necessidade de reprimi-los e expulsá-los de territórios que ocupavam. Ao mesmo tempo, está impondo ao Estado a necessidade de apressar a formação de uma nova polícia, com a expulsão e condenação dos corruptos e a construção das unidades de polícia pacificadora, e tomar não apenas os territórios dominados por traficantes, mas também aqueles dominados pelas milícias.
Essa necessidade, porém, apresenta diversos problemas. A maior parte das favelas do Rio ainda se encontra sob o domínio do tráfico e das milícias. O saneamento das polícias civil e militar enfrenta dificuldades internas, relacionadas com a presença de membros das milícias no aparelho policial. A implantação das UPP melhora a questão da segurança local, mas não resolve o passivo histórico de ausência de saneamento, urbanização e outros serviços públicos essenciais. A falta de oportunidades de trabalho e emprego é uma fonte poderosa para a participação no tráfico e em atividades anti-sociais.
Portanto, podemos prever com certo grau de certeza que esses problemas estão longe de solução e podem voltar a agravar-se, dependendo da correlação de forças políticas e de uma série de outros fatores econômicos e sociais. Diante deles, vários setores democráticos e populares estão exigindo do governo do estado, como linha central, a limpeza da chamada “banda podre” das polícias e atenção prioritária para os territórios ocupados pelas milícias.
Essa exigência talvez deva ser permanente, mas certamente não pode ser a única, nem o esforço principal das forças democráticas e populares.
Estas, se levarem em conta as contradições que estão se desenvolvendo nas favelas “libertadas”, assim como as dificuldades de longo prazo para transformar a polícia e liquidar com o domínio do tráfico e das milícias na maior parte do Rio, talvez devam concentrar sua atenção num trabalho consistente para elevar a um novo nível a organização popular das comunidades, no sentido de obter novas oportunidades de emprego e trabalho e de conquistar os serviços públicos há muito demandados.
Populações de centenas de milhares de pessoas, como o Complexo do Alemão, com 400 mil habitantes, demandam subprefeituras que sejam instaladas com a participação efetiva das comunidades locais. Embora não seja o momento de apelar para “todo poder às comunidades”, a organização de fortes comunidades populares, com alto teor democrático, partilhando o poder local com a UPP e outras instituições estatais, pode ser um avanço considerável para tratar adequadamente as contradições dentro das comunidades, entre elas e o Estado e, em caso de alguma regressão, entre elas e novas tentativas de domínio por traficantes ou milícias.
Queiramos ou não, as necessidades que colocaram o Estado ante a obrigação de “libertar territórios” dominados pelo poder do tráfico e das milícias abriram condições extraordinárias para a organização das camadas populares desses territórios. As forças democráticas e populares não podem desconsiderar essa oportunidade de desenvolver a organização democrática e popular de comunidades de centenas de milhares de pessoas como um dos pontos centrais de sua agenda atual na cidade do Rio de Janeiro.
Fonte: Site do Jornal Página 13
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