Uma impressionante unanimidade congrega as correntes internas do PT:o retorno ao partido de Delúbio Soares, símbolo do chamado mensalão.
Soraya Aggege - CARTA CAPITAL
A direção nacional do PT acaba de articular o retorno do único integrante expulso na crise de 2005, o ex-tesoureiro Delúbio Soares. Acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha no “processo do mensalão”, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), ele deve ser anistiado com mais de 70% dos votos do Diretório Nacional que se reunirá no fim de abril. Depois da provável absolvição, o ex-tesoureiro dará início aos seus projetos eleitorais para 2012 e 2014, em Goiás. Pelas regras internas, fica aberta a possibilidade de sua volta à direção da legenda.
Delúbio não reconheceu nenhum erro em seu pedido de refiliação, mas a maioria considera injusto manter a punição ao ex-tesoureiro. O argumento principal e repetido de A a Z no espectro das correntes internas é que “todo o partido errou”. Há uma tensão sobre os efeitos dessa anistia para a imagem do partido, que acabou estigmatizado por uma ampla parcela do eleitorado. Os dirigentes defendem, porém, ser este o momento certo para a anistia: há folga no calendário eleitoral e a oportunidade de transferir o debate sobre os erros para a reforma política que tramita no Congresso.
Mesmo os poucos contrários ao retorno de Delúbio admitem ter havido conivência interna e alegam que o PT acabou “vítima” do próprio sistema político que pretendia transformar. Eles defendem uma inversão nas prioridades: antes de aceitar o ex-tesoureiro de volta, é preciso liderar uma reforma política que resulte no financiamento público das campanhas. Para a maioria, não há motivos para prolongar a “injustiça”. O argumento é de que, sem provas da existência de um pagamento mensal a parlamentares em troca de apoio, os erros cometidos fazem parte das práticas eleitorais brasileiras. Internamente, os petistas frisam que o principal acusado, o ex-ministro José Dirceu, voltou ao diretório no ano passado. Não haveria, portanto, motivo para não reintegrar o ex-tesoureiro.
“O caso Delúbio não pode continuar como um fantasma que ficará lambendo nossas orelhas pelo resto da vida. É claro que poderemos sofrer pressão externa, especialmente de parte da imprensa e da oposição, mas a volta de Delúbio não joga nada para baixo do tapete, só nos ajuda a enfrentar os problemas”, afirma o secretário nacional de Organização, Paulo Frateschi. O exorcismo envolveria outros fatores além da volta do “fantasma”. Mas não está em pauta nenhuma mudança interna que garanta a extinção de práticas como o caixa 2, caso a reforma política não estabeleça novas regras.
Até a pequena corrente na extrema esquerda das forças políticas da legenda, O Trabalho, votará a favor de Delúbio. “Se o PT não corrigiu seus erros, o Delúbio não pode ser responsabilizado. A política brasileira é um balcão de negócios e esse problema não é do Delúbio. É claro que o caixa 2 dos partidos não acabou. Agora, a volta dele não muda isso nem para pior nem para melhor. Um dos fatores que levam a política aos negócios são as formas de alianças e elas não mudaram”, diz Markus Sokol, coordenador da corrente.
Como toda unanimidade fica burra, a Articulação de Esquerda pretende votar contra a anistia. As lideranças da AE consideram não haver motivo para anular a expulsão aprovada em 2005, pois o ex-tesoureiro nem sequer fez uma autocrítica dos erros. E o pior “foi terceirizar a política de finanças do PT, apoiando-a num cidadão e num esquema vinculados ao PSDB”, frisa o dirigente Valter Pomar.
Não se trata apenas de uma vinculação com o empresário Marcos Valério ou com um velho esquema do PSDB. Não há provas efetivas da existência do mensalão, mas existiu um projeto de poder que dependeu de Delúbio como emissário de lobbies, entre eles o do banqueiro Daniel Dantas. Caso esses lobbies fossem bem-sucedidos, haveria uma farta distribuição de poder e dinheiro no partido. O processo deve ser julgado ainda neste ano pelo STF. Apesar do otimismo petista e do histórico do Supremo, que nos últimos 40 anos condenou apenas um político por improbidade, ainda não há sinais de que serão todos declarados inocentes.
Segundo Pomar, o PT acabou criminalizado por práticas partidárias comuns na política nacional: o financiamento das campanhas. “Este é o problema de fundo. Como um partido de esquerda, de trabalhadores, pode financiar suas atividades políticas sem depender de recursos do grande empresariado?”
Intensas são as articulações em torno da anistia do ex-tesoureiro. “Nós estamos trabalhando para que a votação (pró-Delúbio) extrapole bastante os 56% que é a margem da nossa chapa. Ainda não sabemos da disposição dos outros, mas já há uma discussão grande com as outras correntes. Estamos conversando com todos. Em minha opinião, o PT errou e precisa corrigir esse erro. E não dá mais para adiar”, afirmou Francisco Rocha, coordenador da Construindo um Novo Brasil (CNB), a corrente majoritária, e integrante do Conselho de Ética do partido.
A ideia é que as correntes internas não votem em bloco, para que Delúbio retorne sem divergências. A estratégia é evitar que o tema vire alvo de extensas discussões internas, o que poderia reduzir o apoio à proposta. Mas se isso acontecer, a CNB e suas aliadas já contabilizam a maioria suficiente. É unânime a avaliação de que Delúbio foi expulso por “gestão temerária de recursos” sob forte pressão de setores da mídia e da oposição ao governo Lula.
Os carrões blindados, as roupas, os vinhos e charutos caros que se tornaram a marca do ex-tesoureiro, foram todos relevados. “Não fazemos esse tipo de julgamento, com base na hipótese de ostentação”, diz uma liderança.
No auge da crise, Delúbio foi premonitório em uma entrevista: “As denúncias serão esclarecidas, esquecidas e acabarão virando piada de salão”. Talvez nunca sejam esclarecidas, mas caminham celeremente rumo ao anedotário político.
Um dos principais defensores da expulsão de Delúbio, o ex-presidente da legenda Ricardo Berzoini optou pelo fim da punição: “Eu defendi a expulsão porque, como tesoureiro ele cometeu erros, mas não houve nenhum movimento de desonestidade dele em relação ao partido. Não há julgamento moral dele de apropriação de recursos, por exemplo. Na época, não acho que erramos, a decisão foi correta, mas já se passaram cinco anos e ele não se filiou a outro partido, foi fiel. Se quer voltar, deve voltar. E não vejo por que adiar isso, nós não temos nada a temer”.
Lideranças da CNB, como o próprio Berzoini, acertaram que a votação será em abril. Alguns dirigentes pedem, porém, o adiamento da decisão. Temem que esta contamine o julgamento no STF. Frateschi discorda: “Esperar mais ainda seria cautela excessiva. Lula já afirmou que quer enfrentar o caso. Dirceu é arrojado e sabe que o Supremo não seria contaminado. A maioria acha que não afeta e que precisa enfrentar isso agora”. Delúbio foi procurado, mas cumpre uma recomendação de amigos no partido para não dar entrevistas.
Outro passo no processo, após a volta do ex-tesoureiro, será a discussão do possível retorno do ex-secretário-geral Sílvio Pereira. Silvinho, que admitiu ter aceitado um carro Land Rover de um empresário para uso pessoal, desfiliou-se do PT antes de enfrentar um processo de expulsão. Seu retorno ainda não foi discutido internamente. Como ele não foi expulso, poderia se filiar novamente. Mas isso não significaria uma volta com respaldo político interno para galgar cargos, a exemplo de Delúbio. Mas nem o próprio ex-secretário manifesta tal desejo: “O dia em que eu tomar essa decisão, todo o partido saberá”.
Nome mais fulgurante do processo no STF, Dirceu evita falar no caso Delúbio, embora apoie a iniciativa. O ex-ministro tem sido cauteloso, apesar de esbanjar otimismo em relação ao julgamento no Supremo. O ex-deputado José Genoino, apontado internamente como o mais injustiçado entre os petistas, foi lacônico. “Não falo porque esse caso ainda mexe com as minhas entranhas.”
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