quarta-feira, 15 de junho de 2011

ATIIVDADE PRIVADA DE DIRIGENTE NÃO PODE SER GENERALIZADA, DIZ SECRETÁRIO GERAL DO PT

Lula e Dirceu podem cobrar, defende Pie

Autor(es): Cristiane Agostine | De São Paulo
Valor Econômico - 15/06/2011
Página A 10 - Política

Partidos: Secretário-geral do PT defende atividade privada de dirigentes mas diz que esta não deve virar regra

O PT vive um dilema: como justificar à sua base social e à militância o enriquecimento dos petistas do poder. Na semana passada, depois da queda de Antonio Palocci da Casa Civil, o secretário-geral do partido e ex-prefeito de Guarulhos, Elói Pietá, gerou polêmica ao defender, em artigo, a saída do ex-ministro como uma reação ao risco de distanciamento do PT em relação à sua base social. No segundo cargo mais importante da direção partidária, o dirigente defendeu relação distanciada de empresários e vida modesta para petistas.Nesta entrevista, quatro dias depois de publicar o texto, o dirigente petista defende as palestras pagas feitas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - a quem compara a Paulo Coelho e Chico Buarque -, elogia a participação dos empresários no governo Dilma Rousseff, diz que o ex-ministro e consultor empresarial José Dirceu continua exercendo sua "paixão pelo Brasil" e afirma que o PT tem que receber, sim, recursos privados, enquanto o financiamento público não for aprovado.

Vice-presidente da Fundação Perseu Abramo, ex-vereador, ex-deputado estadual, ex-prefeito e integrante da corrente minoritária do PT, Mensagem ao Partido, Pietá mostrou-se cauteloso e fez questão de gravar a entrevista. A seguir, seus principais trechos.


Valor: Por que o senhor escreveu o artigo só depois que Palocci saiu?

Elói Pietá: Nomear ou tirar ministros é uma tarefa da presidente Dilma e não uma tarefa do PT. Não queria colocar mais lenha na fogueira. A oposição já pressionava pela saída do ministro. Eu tinha expressado minha opinião para o presidente nacional do PT [ Rui Falcão] e tinha conversado com muitos dirigentes e militantes de base. Resolvi escrever um artigo que expressasse o que muita gente pensava no PT. Havia um sentimento muito forte entre os petistas de estranheza em relação aos resultados da atividade empresarial. Não que fosse ilegalidade, mas saía do padrão que a gente conhece no PT.

Valor: O senhor falou com alguém do governo? Qual a repercussão?

Pietá: Não. Minha relação é basicamente com o partido. O PT é o partido que apoia o governo, que tem interlocução e trajetória suficiente para ter expressão própria em determinados momentos. Muita gente manifestou concordância e achou que precisava levantar o debate sobre a relação entre o PT com grandes empresários. Agora também ouvi muitos silêncios. Algumas pessoas me disseram que eu fui muito duro. Talvez não divergisse tanto das ideias, mas do tom. Ninguém me repreendeu, mas não procurei continuar tratando desse assunto específico no PT.

Valor: O senhor disse que as condições materiais moldam ações. Moldaram também a de Lula, que ganha R$ 200 mil por palestra?

Pietá: Sociologia não é matemática. O presidente Lula é uma figura excepcional. É como se o Paulo Coelho fosse fazer uma conferência, se o Chico Buarque fosse fazer uma conferência. Ele é um líder mundial que desenvolve uma atividade política intensa. Agora quando vai fazer uma conferência em uma empresa, que tem grande lucratividade, tem que cobrar mesmo. Mas Lula não é empresário. Tem raízes profundas na maioria. Ele é o que a gente já sabe que ele é. Isso é definitivo.

Valor: Mas Lula esteve oito anos no governo, tem influência na gestão contato com empresários...

Pietá: Ele é chamado para fazer conferências sobre diversos assuntos do país e do mundo. Não podemos interditar um ex-presidente da República. Ele tem que continuar essa atividade por paixão pelo que ele faz no Brasil e no mundo. Quando se trata de uma empresa, tem direito de cobrar pela conferência. É uma pessoa na qual o Brasil confia e no qual confio intensamente. Ele sabe distinguir o que pode e o que não pode.

Valor: Palocci e Dirceu não sabem?

Pietá: O Dirceu foi injustamente cassado na Câmara. Tiraram o mandato dele e uma série de direitos políticos. Ele tem todo o direito de exercer a atividade que quiser na sociedade, a não ser que queiram cassar os direitos de cidadania dele também. Ele também continua exercendo sua paixão pelo Brasil, por uma sociedade mais igualitária. É um quadro de formação bastante sólida, como o Palocci. Quando escrevi o artigo foi no sentido de essa assistência de quadros importantes do PT a grandes grupos econômicos não se tornasse regra, porque se vira regra, muda a natureza do PT.

Valor: No artigo, ao se referir a Palocci, o senhor disse que o PT prefere o político de vida simples ao empresário bem-sucedido. Como o PT pretende lidar com os petistas que se tornaram empresários?

Pietá: Palocci e Dirceu são grandes quadros do PT, contribuíram muito para o Brasil e continuam firmemente petistas. Ninguém tem o monopólio de ser melhor que o outro. Meu artigo significa apenas que esse tipo de atividade não pode ser generalizada, sob pena de mudar nossa natureza.

Valor: E como deve ser a convivência com esses petistas que se tornaram empresários?

Pietá: Uma das razões pelas quais escrevi o artigo foi para suscitar o debate no PT e no sociedade. Sou favorável a essa aliança com o empresariado. Ela ajudou o Brasil a crescer, é uma aliança diferente do que se tentava fazer no fim do governo Vargas, no governo de João Goulart e o que se conseguiu fazer no governo Lula. É uma aliança trabalhadores-empresários, quando antes se tentava fazer uma aliança empresários-trabalhadores.

Valor: Não é contraditório o senhor defender que o PT mantenha distância do empresariado ao mesmo tempo em que os empresários têm um papel importante no governo?

Pietá: Não. O governo Lula já tinha feito o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e foi uma excelente iniciativa. Talvez o que fica um pouco estranho é o seguinte: distinguir o que é partido do que é governo. Às vezes nos acusam de fazer no governo tudo aquilo o que o partido quer. Não é verdade. O nosso governo é muito mais amplo do que o PT e os petistas que estão no governo têm que dialogar com todos. Esta foi uma opção do PT e o maior símbolo disso foi quando José Alencar se tornou o vice de Lula.

Valor: O senhor critica o financiamento privado de campanhas, mas o PT recebe recursos de empresas, mesmo com repasses do fundo partidário. Por quê?

Pietá: Mas é claro que recebe. O PT não pode chegar e dizer: olha, vou deixar que utilizem as vantagens do sistema político e eleitoral brasileiro apenas os outros. É legal, legítimo e democrático, só que não é a melhor coisa. Todo mundo tem que seguir a mesma regra. Não dá para alguém entrar no campo com 11 jogadores e outro com 7. O PT não pode chegar e dizer: "Vou ganhar o jogo com 7 jogadores e o meu adversário joga com 11".

Valor: O amplo leque de alianças não afasta o PT do governo?

Pietá: É por isso que o PT tem que manter sua identidade. Neste governo ele tem uma tarefa que é ajudar que o governo. A política é assim. Não há na história ninguém que tenha conseguido sucesso sem fazer alianças. O que não podemos é apagar as diferenças.

Valor: O PT está em busca de uma ideologia para este governo?

Pietá: Não estou propondo ideologia para o governo, estou discutindo o PT. O pensamento do nosso governo está claro. Em primeiro lugar, que o Brasil precisa ter uma economia sólida, com distribuição da renda e inclusão social, soberania internacional e diálogo entre todas as forças econômicas da sociedade. Isso se expressa em um governo de coalizão, portanto onde tem representantes de partidos e de setores da sociedade. O artigo é mais um alerta sobre o futuro do que sobre o presente.

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