terça-feira, 7 de junho de 2011

ENTREVISTA COM EX-GOVERNADOR OLIVIO DUTRA

Olívio Dutra: ”O PT não surgiu nos gabinetes, o partido veio de baixo para cima”

O presidente de honra do PT/RS concedeu entrevista aos jornalistas Guilherme Koling e Ana Paula Aprato do Jornal do Comércio, publicada na edição de segunda-feira (6). Na entrevista, Olívio Dutra fala do partido, de sua criação, de seu compromisso com as lutas por melhores condições de vida, da boa rebeldia do PT e de sua trajetória pessoal como homem do partido.

Leia na íntegra

”O PT não surgiu nos gabinetes de Executivo e Legislativo. O partido veio de baixo para cima”.

O diretório estadual do PT definiu Olívio Dutra como presidente de honra do partido no Rio Grande do Sul. Fundador da legenda, o petista propõe, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, que o PT discuta internamente seu papel na política para não se acomodar por estar hoje ocupando gabinetes do Executivo e do Legislativo. “O PT surgiu na luta por condições de vida digna para a população trabalhadora e uma partilha justa das riquezas do País. Não pode, de repente, passar a ser um partido da acomodação, da conciliação permanente, que aceita o jogo político do toma lá, dá cá.” Olívio, que completa 70 anos no final desta semana, também avalia as gestões do governador Tarso Genro (PT) e da presidente Dilma Rousseff (PT). E lembra, ainda, sua trajetória política, relatando episódios de sua formação no sindicato, na Igreja e no movimento estudantil.

Jornal do Comércio - Como o senhor avalia o surgimento do PT e o partido hoje?

Olívio Dutra – No final da década de 1970 foi surgindo a ideia de um partido ligado ao movimento sindical. Não só da classe operária, mas da classe trabalhadora. Também como uma crítica aos partidos tradicionais. Essa foi a ideia do Partido dos Trabalhadores. Por isso digo hoje: o PT não é um partido que surgiu de cima para baixo, dentro de gabinetes do Legislativo e do Executivo. O PT veio de baixo para cima, é um partido que surgiu de uma parte considerável dos movimentos sociais, na luta contra a ditadura militar, na luta por condições de vida digna para a população trabalhadora e uma partilha justa das riquezas do País. O PT não pode, de repente, passar a ser um partido da acomodação, da conciliação permanente, que aceita o jogo político do toma lá, dá cá.

JC – Mas chegou ao poder…

Olívio – O PT foi conquistando espaços na institucionalidade – o que é importante, pleiteamos a democracia. Mas não meramente a democracia formal; tem que estar enraizada na prática, para qualificar a vida das pessoas. O PT não pode ser um partido, digamos, que perca a sua rebeldia.

JC - E é possível isso estando nos governos?

Olívio – É essa a questão. Por isso, o PT tem que ter instâncias que possibilitem um debate constante sobre as consequências de um partido que surge não dos gabinetes, de repente, ter que estar ocupando os gabinetes legislativos e executivos. É preciso discutir no que isso resulta.

JC - Em que aspecto?

Olívio – O governo do presidente Lula (PT), nos seus dois mandatos, e agora o governo da presidente Dilma, o Tarso aqui no Rio Grande do Sul, isso representa uma nova conjuntura, que se abriu por conta da conquista popular, democrática. Mas o Estado brasileiro ainda está com a sua formatação, que o faz funcionar muito bem para poucos. Ou não funcionar para muitos. Então, apesar de tudo o que pôde ser feito no governo Lula, nos nossos governos aqui no Rio Grande – me orgulho de ter sido governador -, ainda assim tem estruturas que não foram mexidas.

JC - Quais?

Olívio – O fato de Lula ter incluído milhões de brasileiros em uma renda melhor, condições de vida, salário e educação melhores, ter tido uma relação política aberta, uma política externa soberana, sem arrogância, mas afirmativa… Tudo isso são conquistas que não podemos perder. Mas isso é pouco diante de uma realidade que coloca, por exemplo, 16 milhões de brasileiros vivendo com uma renda diária de R$ 2,30. Eu voltei à universidade e pego dois ônibus para ir e dois para voltar da Ufrgs. Isso dá um gasto de R$ 10,80. Então, imagina uma pessoa sustentar a sua família com R$ 2,30? E são 16 milhões de brasileiros nessa situação. O governo deve trabalhar para a maioria da população. Tem um domínio aristocrático que controla a máquina brasileira há 510 anos. Em qualquer mandato que o PT exercer tem que estar a semente da transformação, e não da acomodação. Essa é a grande questão para o nosso partido.

JC – Qual é a sua avaliação dos governos Dilma e Tarso?

Olívio – São governos que tocam adiante um esforço. O governador Tarso está indo bem. Dilma também. Mas tem a conjuntura… Precisamos de reformas como a agrária, que não se conseguiu fazer avançar. E o acesso à terra, de forma democratizada, é fundamental para o desenvolvimento econômico e social do País. Precisamos da reforma político-partidária, em que partidos tenham posições ideológicas claras e que não sejam balcões de negócio. E o Estado brasileiro não é propriedade do governante, deste ou daquele partido que está exercendo o poder. Nem de grupos econômicos poderosos. O Estado tem que ser democratizado e estar sob controle público.

JC - A conjuntura atual é mais favorável a isso?

Olívio - Bem mais favorável. Até porque o discurso do Estado mínimo, dos neoliberais, está desgastado por conta da crise financeira internacional. Os países do capitalismo central tiveram que recorrer ao socorro do Estado. E é a sociedade que tem que controlar o Estado e não o contrário. Um partido sério, quando exerce governos ou mandatos, deve buscar avançar nisso. O PT é o maior partido do campo democrático-popular, a esquerda brasileira, mas não o único. Há partidos de origem mais antiga e também franjas em outros partidos de centro-esquerda, que não são cabresteadas pelos figurões dessas legendas. Então, há a possibilidade de uma discussão qualificada de como esse campo pode se alternar em cabeças de chapa para disputas locais.

JC – Isso vale para 2012?

Olívio – Sou a favor da alternância, para esse campo formar – através da boa discussão em cima de temas como o papel do Estado – o desenvolvimento, a ideia de que a política é a construção do bem comum através do protagonismo das pessoas, que devem ser sujeito e não objeto da política. São ideias fundamentais para a gente encarar as próximas eleições.

JC – Tarso formou uma boa base (PT, PSB, PCdoB, PDT, PTB, PRB e PR). Essa coalizão é o principal mérito do governador?

Olívio – Acho que isso não é mérito pessoal, é uma conjuntura que vai desabrochando. E tem riscos. O governo Lula, com sua composição, não conseguiu fazer a reforma política nem a tributária, nem a reforma agrária nem a urbana. Um governo de composição ampla acaba não podendo fazer e empurra adiante. Tem um conforto, mas ao mesmo tempo engessa. É uma contradição permanente. A questão da governabilidade tem também coisas que não se pode fazer. Mas não se pode conformar com o pragmatismo político…

JC – A propósito de ideais na política, como foi seu início?

Olívio – Meu pai, carpinteiro, criou cinco filhos. Então, a consciência de que existe uma realidade a ser transformada vem de muito tempo. Jovem, militei na Igreja Católica. Tinha uns 15, 16 anos. A gente discutia a questão da desigualdade, da solidariedade, da caridade, do trabalho voluntário. Daí, vim a Porto Alegre com 18 anos incompletos, consegui vaga para trabalhar, mas faltou a carteira de reservista. Então, tive que voltar a São Luiz Gonzaga. E prestei lá o serviço militar.

JC - Teve atuação no movimento estudantil?

Olívio - Cheguei a ser presidente da União Saoluizense de Estudantes. Era uma entidade em que estudantes de famílias abonadas promoviam festas, bailes… Montamos uma chapa para discutir a ausência de escola pública depois do Ginásio. Ganhamos a eleição. Tinha 16 ou 17 anos. Na Igreja, havia uma campanha nacional por educandários gratuitos. E fiz parte do movimento em São Luiz Gonzaga, por uma escola pública de 2º Grau (Ensino Médio).

JC – E a vida sindical?

Olívio - Em 1961, fiz concurso para o Banrisul. Tinha 19 jovens disputando a vaga de contínuo… Entrei, fiquei três anos na função e fiz concurso interno para ser escriturário. Participei da minha primeira greve em 1962. Não tinha sindicato em São Luiz Gonzaga, mas foram até lá. Como fazia o trabalho de rua, fiquei encarregado de reunir o povo na Casa Rural. E se decidiu que os bancários de São Luiz Gonzaga entrariam em greve. Era uma luta salarial. Mas no segundo dia a greve acabou. E fiquei me perguntando: para entrar em greve teve reunião. Agora, para sair, ninguém nos consultou.

JC – E como o senhor veio para Porto Alegre?

Olívio – Eu continuava no movimento para ter aquela escola. Mas o clima político estava se fechando por conta da ditadura. O prefeito era primo do Jango, mas militava na Arena. E, uma vez que a escola fosse instalada, nós, os jovens, queríamos que a direção fosse eleita. Tive a petulância de escrever essas coisas no jornal. O prefeito não gostou e toda a estrutura de poder local funcionou para que eu fosse transferido ou perdesse o emprego. Mas eu era funcionário concursado do banco. Então, fui transferido para Porto Alegre.

JC – Por querer eleições…

Olívio – Meus pais eram eleitores do PTB, tinham retrato do Getúlio. Mas um tio, irmão da minha mãe, dizia: “Olha, tem muito rico no PTB também. Temos que pensar com a nossa cabeça para não ser massa de manobra.” Esse tio, Pedro Beis, em 1954 – Getúlio em crise, iria se suicidar em seguida – foi pego numa madrugada colando cartazes com críticas que só quem fazia era o Partidão (Partido Comunista Brasileiro). E foi preso. Aí, nos revezamos mandando uma viandinha para o tio Pedro na cadeia. Eu tinha 13 anos, fui em várias ocasiões. Até que ele foi solto graças a um advogado do Partidão. Com a pecha de comunista numa cidadezinha, meu tio veio a Porto Alegre.

JC – Também a contragosto.

Olívio – Conto essa história porque em 1979 fui preso na nossa greve dos bancários, fiquei 14 dias na Polícia Federal. E um dia chegou uma visita: Pedro Beis. Fazia muito tempo que eu não via o tio Pedro. Cheguei na salinha e lá estava ele com uma carteirinha de cigarro. E disse: “Olha, meu sobrinho, vim aqui retribuir porque, quando eu estive preso 25 anos atrás, tu me levavas uma viandinha lá na cadeia.” E eu: “Muito obrigado, tio Pedro. O caso é que eu não fumo. Mas fico muito grato pelo gesto”.

JC – E o seu ingresso no Sindicato dos Bancários?

Olívio - Cheguei em 1970, me colocaram na agência mais periférica de Porto Alegre na avenida Francisco Trein com a Assis Brasil. E logo me filiei ao sindicato. Era temerário, tinha dois bancários presos pelo regime. Fizemos reuniões e um texto que denunciava a situação. Ninguém assinou, claro. Queríamos que a categoria soubesse…

JC – Foi uma iniciativa sua?

Olívio – Não. Isso foi o pessoal ligado às áreas de base da Igreja, de movimentos para proteger as pessoas perseguidas. Fizemos o texto e mandamos para todas as agências de banco. Lembro da chegada desse envelope na agência onde eu estava. O gerente me chamou. “Tem um problema aí com uns bancários. Tu és o cara que vai no sindicato, traz as informações” – o sindicato tinha um departamento odontológico e eu divulgava o serviço. “Então, Olívio, acho meio perigoso isso aí. Mas dá um jeito.” Bom, entreguei aos colegas. A informação circulou. Até que um dia chegou lá na agência o presidente do sindicato. E começou a me explicar a situação daqueles dois bancários. O sindicato tinha colocado advogado, mas os órgãos de repressão estavam em cima.

JC – E o ingresso na direção?

Olívio - Outra vez o presidente veio à agência. “Tu tem ido nas assembleias e estão esvaziadas.” E me propôs que eu fosse para a executiva. Mas eu tinha feito vestibular para a Ufrgs. “Não quero dar o meu nome e depois não poder dar conta das reivindicações.” Aí, fiquei na quarta suplência. Quase no final desse mandato, quatro diretores deixaram de ser bancários. E fui convocado em 1974. Na divulgação, começamos a trabalhar com o pessoal da Coojornal; Santiago e Edgar Vasquez faziam charges. E a luta por liberdade e autonomia sindical nos possibilitou a relação com outras categorias. Em 1975, teve eleições e fui colocado na cabeça da chapa. Conheci o Lula nessa época. Fui reeleito no sindicato em 1978, e depois, cassado em 1979, na nossa greve dos bancários, a primeira grande greve de uma categoria do Rio Grande.

Perfil

Olívio de Oliveira Dutra completa 70 anos na sexta-feira. Formou-se em Letras pela Ufrgs, embora tenha trabalhado no Banrisul, após concurso, até se aposentar em 1996. Ganhou visibilidade como líder do Sindicato dos Bancários durante a ditadura militar. Foi preso ao liderar a primeira greve de trabalhadores bancários no Estado em 1979. Missioneiro de Bossoroca, sua trajetória política começou ainda na adolescência, no movimento estudantil em São Luiz Gonzaga. Sua primeira filiação se deu no Partido dos Trabalhadores, sigla da qual é um dos fundadores no Estado. Obteve a primeira vitória nas urnas em 1986, ao se eleger deputado federal constituinte pelo PT. No ano seguinte, assumiu a presidência nacional do partido. Sua eleição para a prefeitura de Porto Alegre, em 1988, marcou a chegada do PT ao comando da Capital. Sua gestão (1989-1992) foi destacada pela criação do Orçamento Participativo. Em 1998, Olívio foi eleito governador do Rio Grande do Sul. Não foi candidato à reeleição por ter sido derrotado nas prévias do partido por Tarso Genro, em 2002. Também disputou o Piratini em 1982, 1994 e 2006. Foi ministro das Cidades de Lula entre 2003 e 2005 e presidiu o PT gaúcho por seis mandatos desde a fundação da sigla – o último se encerrou em 2009.

Fonte: PT/RS

http://www.pt.org.br/portalpt/noticias/midia-7/olivio-dutra:-%E2%80%9Do-pt-nao-surgiu-nos-gabinetes-o-partido-veio-de-baixo-para-cima%E2%80%9D-66931.htm

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