terça-feira, 22 de dezembro de 2009

DUAS POSIÇÕES SOBRE COMPENHAGUE

20/12/2009
Copenhague: o porquê do fracasso?

Após o término da reunião sobre mudança climática das Nações Unidas, o secretário-executivo da Conferência Climática, Yvo de Bôer, disse que o resultado da reunião terminou em uma “carta de intenções”.

Dada a publicidade do encontro e até mesmo a sua, digamos, urgência em se fazer algo para evitar um cataclismo, esperava-se, ou se tinha a ilusão que o resultado final das reuniões em Copenhague terminasse com um documento com ações concretas, objetivas e que tivesse o reconhecimento de todos os países representados na COP-15.

Mas nada disso aconteceu: nem um documento com ações concretas e objetivas, e nem o reconhecimento, por parte de muitos países, a um documento – fruto de um encontro entre Estados Unidos, Brasil, África do Sul, Índia e China. O documento “prevê a criação de um fundo emergencial de US$ 30 bilhões pelos próximos três anos para ajudar países pobres a combater causas e efeitos das mudanças do clima; além de angariar fundos para financiamentos de longo prazo de até US$ 100 bilhões até 2020” (BBC Brasil, 20/12/2009).

A reunião tão esperada pelos ambientalistas fracassou. E fracassou porque, mais uma vez, como em todas as vezes anteriores e em todas as vezes ainda por vim, porque os interesses econômicos financeiros estão acima dos interesses coletivos e da vida.

Da mesma forma em que não se ataca os reais problemas da segurança pública, da educação, da saúde pública, da habitação, da segurança alimentar, da comunicação, da terra, do racismo, de gênero, da homofobia, ... assim também não se ataca os reais problemas do meio ambiente.

E não se ataca os reais problemas existentes na sociedade, porque esses problemas são decorrentes e oriundos da própria existência do Estado ou da estrutura no qual a sociedade está submissa. E a sociedade encontra-se submissa ao Estado como está e/ou a estrutura social atual, porque entende ser capaz de solucionar tais problemas sociais com a existência do Estado e/ou dessa estrutura social hoje existente. Em outras palavras, o pensamento hegemônico na sociedade, hoje, pensa ser possível solucionar problemas sociais sem mudar a estrutura política econômica social.

Porém, se realmente fosse capaz de solucionar os problemas sociais existentes, eles já teriam sido solucionados. E não o foram porque não há como solucionar os problemas sociais se não houver uma ruptura total com o atual modelo político econômico social.

O atual modelo ideológico político econômico social – o capitalismo – não é eterno. Antes do capitalismo existiu o comunismo primitivo e o feudalismo. No feudalismo, por exemplo, já havia desigualdades sociais – o senhor feudal e os servos – porém foi no capitalismo que tais desigualdades sociais se aprofundaram.

A mudança de um modelo ideológico político econômico social para outro só foi possível porque nada é imutável, e como nada é imutável os modelos de sociedade podem mudar, como já mudaram anteriormente, e para mudar é preciso existir uma força política que seja hegemônica, para ser capaz de superar o modelo social anterior e para construir outro.

Entendo que se nós quisermos caminhar para a solução dos problemas sociais locais (países) e globalmente (no mundo todo) faz-se necessário a construção da hegemonia para não só superarmos o atual modelo social, mas para destruí-lo e construir uma outra sociedade, com outros valores, com outra cultura, com outra orientação econômica de produção e de distribuição, para que todos e todas possam ter acesso ao trabalho e aos bens produzidos, sendo atores principais na produção e no acesso da riqueza produzida. E em uma sociedade não capitalista e com outra orientação econômica, o cuidado, por exemplo, com o meio ambiente é total. Até porque em uma sociedade socialista a vida está em primeiro lugar. Já no capitalismo, quem está em primeiro lugar, em segundo, em terceiro, ...é o lucro, o dinheiro, os bens materiais, o status quo. E o consumismo é filho do capitalismo. E é esse filho do capitalismo que o sustenta.

Se ainda há, por ventura, alguém que pensa, de fato, que falar, discutir, fazer passeatas, reuniões, para tratar sobre o clima e não age da mesma forma contra o modelo social que provoca e aprofunda tais mudanças climáticas ou está no mundo da ilusão ou está a serviço da direita, que é craque em tirar de foco os reais problemas e o foco das reais soluções, com o objetivo de continuarem se beneficiado do atual quadro social econômico social climático.

Claudio Rossano Ritser
Militante do PT de Curitiba, membro orgânico da tendência interna do PT, Articulação de Esquerda, e estudante de Ciências Sociais.

Copenhague, uma conferência histórica

Por Eduardo Nunes

Cheguei a Copenhagen vindo de uma visita de trabalho ao Haiti (onde a presença brasileira é também apoiada e criticada, mas é reconhecida como determinante). Por mais distantes que a pobre Porto-Príncipe e sofisticada Copenhagen estejam uma da outra, ambas estão mais perto do Brasil e do novo sistema de poder internacional do que nos fazem crer os parciais editoriais.

Por dever profissional (trabalho em uma ONG Internacional de Desenvolvimento), estive em algumas conferências e reuniões de alto nível da ONU, desde a primeira, a ECO-92. Mas, não estava preparado para o que ocorreu na semana passada, na COp15, em Copenhagen.

Muitas foram as surpresas. A primeira foi perceber que a reunião da qual estava participando era vista de forma totalmente parcial pelos que a acompanhavam daqui do Brasil (talvez, do mundo?). A imprensa mostrou manifestações (alias, como se isto fosse algo ruim), conflitos e um impasse improdutivo. Eu participei de outra COP. Saí como a maioria, frustrado com a não assinatura de um acordo “amplo, justo e legalmente vinculante”. Mas, pouco vi manifestações (confinadas a determinadas áreas e horários). Presenciei avanços impensáveis, há pouco. E testemunhei um marco da mudança profunda na geopolítica global.

Vi uma conferência que além da intensa participação das “partes” (Estados Nacionais), contou com uma inédita forte presença de setores corporativos (com destaque para o financeiro), não-governamentais e multilaterais. Houve e sempre haverá conflitos. Mas avançou-se em iniciativas concretas [ara redução de emissões de diversos gases (a imprensa desprezou os importantes avanços em “green-house emissions’, CFC e outros). Na mesma conferência, centenas de projetos foram apresentados, discutidos, ampliados e acordados. Parcerias de todos os tipos foram celebradas. Representam além de alguns bilhões de euros, novos mapas de ação que coordenam setores privados-governamentais-multilarais-sociedade civil. Projetos que suplantam fronteiras nacionais e criam novas geografias de cooperação.

Tudo isto é ainda insuficiente. Mas, diante das dificuldades de um mundo real, não é pouco. Fora as frases de efeito dos chefes de estado, aqueles que prestaram atenção aos discursos veriam que a maioria deles apresentou fatos e ações que já estão em curso. Somados, elas representam avanços importantes.

As manifestações (que não interferiram com os trabalhos, dentro do Bella Center) e a desorganização comum a eventos deste porte (atrasos em credenciamento, mudanças de salas de reuniões, etc.) não mudam o que ocorreu. No caso das manifestações, a imprensa deveria perceber que elas representam uma tentativa (ainda débil, reconheço) de abrir o sistema de decisões internacional a críticas. Mesmo restringida (mas, nunca proibida) nos últimos dias do evento, a participação ampla de observadores privados e não-governamentais também mostra um progresso. Democracia provoca uma dinâmica que alguns setores conservadores insistem em chamar de “bagunça”. Protestos, impasses e discordâncias são do processo democrático.

Por fim, e talvez mais importante, foi a constatação de que esta não foi uma conferencia sobre clima. Foi uma reunião sobre o novo sistema de poder internacional. Nunca, como brasileiro, havia me sentido no centro de uma discussão. Para o bem e para o mal. Antes, ou éramos vistos como irrelevantes, ou como “bonzinhos bem intencionados”. Mas nunca como líderes. Nunca como protagonistas. Até agora. Colegas de outras ONGs internacionais me buscavam para ter informações e conseguir falar com a delegação brasileira. Todos que me encontravam tinham uma posição a expressar. Um apoio, uma crítica. Todos sabiam e reconheciam o novo papel. Todos menos a imprensa brasileira.

Desde o início, era sabido que o Brasil teria posição protagônica em qualquer resultado da COP15. China e Índia também. Não houve reunião importante na qual o Brasil não estivesse presente. A diplomacia brasileira, com um profundo conhecimento do intricado e burocrático sistema decisório e processual da ONU, conseguiu barrar a maioria das manobras dos países ricos. Como os dois textos “fantasmas”, plantados pela presidência dinamarquesa da conferencia. É só rever as gravações que se perceberá que ambos textos foram desmontados a partir de falas dos representantes brasileiros.

EUA e EU (Japão e Rússia tiveram papel tímido nesta COP) estavam acostumados a ditar tudo. Controlavam as estratégicas relatorias das comissões, enquanto colocavam diplomatas de países pobres nas burocráticas presidências dos grupos. Compravam pequenos e dependentes países com acordos de cooperação. Desta vez não. Brasil e China assumiram um papel de liderança dos “emergentes”, negociaram e apoiaram os países menos desenvolvidos. Quando EUA e EU começaram a ceder alguma coisa (no fim da 6af, dia 18), mesmo com a concordância do Brasil, Índia e China, foi a vez dos liderados dizerem não. Outra novidade. Mostra que o Brasil não exercerá o tipo de liderança dos EUA, hegemônica. Não é, juntamente com Índia, uma nova potência. É um novo tipo de liderança. Expressão de um mundo mais complexo e multipolar.

Dentro destes líderes, a China ainda mantém uma postura mais tradicional de liderança porque tem países em sua órbita de dominação.

Força e potencial econômico, biomassa e petróleo, diplomacia com prioridades nas relações SUL-SUL, carisma pessoal do presidente, etc. Cada um pode e deve discutir os motivos que levaram o país a assumir esta posição (que não é relativa ao clima, é no cenário internacional como um todo). Se bom ou ruim, cada um faça seu juízo. Mas, não é possível que estejamos ignorando este novo papel global e discutindo suas implicações.

Publicado no Blog do Luis Nassif

Nenhum comentário:

Postar um comentário