quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

ARTIGO SOBRE O PT NO VALOR ECONÔMICO

A fonte é a mesma, o trajeto muda
Política
Autor(es): César Felício
Valor Econômico - 10/02/2010


Quando o PT foi constituído, em fevereiro de 1980, o novo presidente estadual da sigla no Rio Grande do Norte, Eraldo Paiva, tinha três anos. O presidente mineiro, Reginaldo Lopes, contava com sete anos. O da Paraíba, Rodrigo Soares, era uma criança de cinco anos de idade. A prefeita de Fortaleza e presidente do PT cearense, Luizianne Lins, devia estar preocupada com as espinhas em seu rosto, aos 12 anos.

Ao completar os 30 anos, o partido do presidente começa, tardiamente, a fazer uma troca de geração em sua classe dirigente. É ainda um processo incipiente, dado que os fundadores do PT tinham pouco ou nenhuma experiência política e ainda estão na ativa. E os novos presidentes estaduais, empossados entre esta semana e a próxima, mostram que o partido teve um desenvolvimento endógeno.

O PT pode lutar para manter o privilégio de receber para seus candidatos doações ocultas de empresários, mas, de maneira diferente do que ocorre em relação a PSDB e PMDB, por exemplo, não há empresários e fazendeiros nos comandos estaduais. Tampouco são comuns os dirigentes que carregam "Filho" ou "Neto" em seus sobrenomes. Entre os presidentes estaduais, há um só ponto fora da curva: o de Ângela Portela, presidente do PT roraimense e primeira-dama do ex-governador Flamarion Portela, cassado pela Justiça Eleitoral em 2004.

Entre os dirigentes estaduais há muita gente vinda dos movimentos de base da Igreja Católica, pelo menos nove casos de egressos do sindicalismo do funcionalismo público e até mesmo um ex-metalúrgico, o deputado federal Luiz Sérgio, do Rio de Janeiro. São basicamente as mesmas fontes que alimentaram o PT nos anos 80 e 90. Eraldo Paiva, vereador em São Gonçalo do Amarante (RN), é o caçula de uma família de dez filhos, todos nos movimentos sociais tocados pela Igreja Católica. Seu irmão mais velho é padre.

A fotografia inicial mostrando uma nova geração petista também ancorada em movimentos sociais, Igreja, funcionalismo público e sindicalismo não deixa de causar estranheza, uma vez que as mudanças do espectro ideológico do PT de 1980 e o de 2010 são óbvias. As diferenças, essenciais, residem nos detalhes.

Nem sempre, por exemplo, será o presidente estadual do PT quem distribuirá as cartas neste ano. Ao contrário do que ocorria no passado, em que a máquina partidária influía e manietava os detentores de mandato eletivo, desta vez, em muitos Estados, são os petistas de prestígio eleitoral que controlam a burocracia interna.

É o caso do Paraná, em que Enio Verri, um tecnocrata com mestrado e doutorado em economia, é ligado ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e do Mato Grosso do Sul, em que o advogado Marcus Garcia está no comando por obra de um acordo entre o senador Delcídio do Amaral Gomez e o ex-governador Zeca do PT.

A origem em movimentos sociais não chega a ocultar, por outro lado, o fato que muitos dirigentes da sigla participaram das estruturas do poder federal ou do estadual antes da eleição interna do ano passado. É uma passagem que apaga a pista inicial e entroniza o petista na elite dirigente do país. O novo presidente do PT, José Eduardo Dutra, podia ser contado como oriundo do sindicalismo no funcionalismo público há muito tempo. Hoje, é melhor considerá-lo o ex-presidente da Petrobras, da BR Distribuidora e ex-senador por Sergipe.

É caso semelhante o de Alagoas, em que o presidente estadual Joaquim Brito foi presidente da Ceal, distribuidora de energia elétrica; ou Goiás, onde Valdi Camárcio, este um petista histórico, se elegeu depois de ter sido presidente da Funasa; ou o de Jonas Paulo, da Bahia, que passou por uma diretoria da Codevasf.

As três décadas de partido também fizeram com que ocorresse uma cristalização parlamentar, ou a profissionalização política da velha guarda partidária. O deputado federal Carlos Santana (RJ) está no quinto mandato. Arlindo Chinaglia (SP), no quarto. Eduardo Suplicy (SP) no terceiro mandato de senador. Entre Câmara e Senado, Paulo Paim (RS) está no Congresso desde a Constituinte. Bom lembrar que, em 1986, 12 dos 16 deputados eleitos pelo partido não tinham experiência legislativa. Em 2006, estavam nesta situação somente 26 dos 83 deputados petistas. Um sinal eloquente que a passagem do vendaval do mensalão pouco transformou o partido. Em 30 anos de travessia, o PT ainda exibe diferenças em relação aos demais partidos. Mas somente na superfície assemelha-se ao que já foi.

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