terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

EMIR SADER: DESAFIOS PARA DILMA E O PT

Desafios para a Dilma e para o PT

9 fevereiro 2010 Sem Comentários

Por Emir Sader*

Nas eleições deste ano, será definida a fisionomia do Brasil em toda a primeira metade do século, assim como o resultado será um elemento fundamental para consolidar os avanços na América Latina. Contamos com um governo de sucesso e amplo apoio na população, com a liderança do Lula, com um partido coeso e com uma grande candidata.

A candidata

Dilma representa mais do que uma mulher competente, enérgica, comprometida, mais do que a coordenadora de um governo que mostra que se pode mudar o Brasil para melhor, retomar o desenvolvimento econômico estreitamente articulado com políticas sociais.

Dilma representa também o espírito militante, forjado nos anos 1960, no calor dos momentos mais duros de luta contra a ditadura, que soube manter acesa a chama dos ideais de transformação profunda da realidade, passando pelo crivo das novas condições de luta.

Nós nos conhecemos naquela década extraordinária para o mundo, na militância clandestina de resistência à ditadura, na mesma organização, na mesma luta. Segui sua trajetória de longe, até reencontrá-la em um Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, Secretária do governo do Tarso, com a mesma alegria, luminosidade no olhar, combatividade, companheirismo.

Quando saiu, pela primeira vez, a notícia da possibilidade de que ela fosse a nossa candidata, imediatamente busquei uma forma de manifestar meu entusiasmo sobre essa possibilidade. Voltar a trabalhar com ela, no livro que lançamos agora no Congresso do PT, serviu para me dar conta que a Dilma é a mesma, desde aqueles anos 1960 até hoje e projetada para o futuro, que inspira confiança, compromisso, sensibilidade política, capacidade e energia. É a melhor alternativa para darmos continuidade, aprofundando, no processo de construção de um Brasil para todos.

O programa

Um balanço do estado do país que recebemos, das transformações que foram feitas e das que restam por fazer para a construção de um Brasil para todos, solidário, humanista, soberano e democrático, aponta essencialmente para três temas – entre tantos outros.

O neoliberalismo, ao desregulamentar a economia, promoveu uma gigantesca transferência de recursos do setor produtivo para o financeiro – sob sua forma especulativa. O endividamento dos países periféricos favoreceu a promoção desse capital a lugar privilegiado, capaz de produzir crises e desestabilização de governos, com seus ataques especulativos.

As independências – legais ou de fato – dos Bancos Centrais são expressões dessa hegemonia, assim como as altas taxas de juros, que remuneram esse capital, que por sua vez é parasitário, não produz bens, nem empregos, além de frear a capacidade de expansão da economia.

As mudanças na política econômica do governo Lula, com a retomada do papel do Estado como indutor do crescimento econômico, fortaleceram contrapesos à hegemonia do capital financeiro, mas as tensões sobre taxas de juros – entre outras – revelam como o tema está pendente.

A passagem a um outro modelo, que promova expressamente a hegemonia do setor produtivo – sob suas distintas modalidades e em distintos setores da economia – ao lugar hegemônico, é um tema pendente, do qual depende não apenas a sustentabilidade econômica do Brasil, como a geração de empregos, a disponibilidade de recursos para políticas sociais, entre outros temas chaves no destino do país.

A reincorporação do Banco Central como elemento orgânico articulado com o conjunto da política econômica do governo é outra questão pendente.

Por outro lado, o campo brasileiro – e, em grande medida, latinoamericano – passou por um processo de modernização conservadora, com a proliferação das grandes propriedades vinculadas ao agronegócio, que mudaram o panorama agrário no país. Intrinsecamente vinculado a esse processo esteve a proliferação dos transgênicos, nas grandes, medias e pequenas empresas. Se fortaleceu a pauta exportadora, deteriorando a terra, em detrimento da auto-suficiência alimentar, da economia familiar, da produção para o mercado interno.

A construção de um modelo agrário que contemple a exportação, mas que, antes de tudo, fixe os trabalhadores no campo, mediante a reforma agrária pendente, que incentive ainda mais a produção das pequenas e médias empresas, que coloque limites aos transgênicos e cuide da qualidade da terra, resta sem dúvida como uma questão central para o segundo mandato.

Uma terceira questão a enfrentar é a da quebra do monopólio empresarial da mídia privada. Não haverá um Brasil democrático sem formação democrática da opinião pública, para o que é necessário atuar em distintas direções. Primeiro, deixar de seguir privilegiando recursos governamentais em publicidades nos órgãos que representam cada vez menos – basta dizer que atacam todos, todos os dias, ao governo, e só conseguem ter 5% de rejeição do governo.

Democratizar o acesso às publicidades do governo, seguir na linha de descentralização, de fomento às distintas formas de imprensa alternativa, incluindo rádios comunitárias, blogs e outras formas novas.

O que não impede que tenhamos que fortalecer e melhorar muito os espaços da imprensa pública. Temos que melhorar a sua qualidade, seus recursos, democratizá-la ainda mais, articulá-la regional e internacionalmente, fazendo com que tenha papel central nas novas pautas do país e do mundo, participando dos grandes debates que o Basil tem que enfrentar, junto às forças populares e culturais.

Em suma, democratizar econômica, social, política e culturalmente o Brasil é centralmente promover a esfera pública, a universalização dos direitos, revertendo o imenso processo de mercantilização da sociedade promovido pelo neoliberalismo, no corpo social, no Estado e nas mentes das pessoas.

O Partido

Dois grandes desafios se colocam para o PT – além dos anteriores, a ser atacados a partir do governo. O primeiro é o desafio de centrar nosso trabalho de massas no apoio à organização desses imensos contingentes “lulistas” – para designar de alguma forma os amplos setores beneficiários das políticas sociais do governo, que o apóiam firmemente – e à sua consciência social, política e cultural, que ajude a transformá-los em um sujeito político ativo no novo bloco social no poder que necessitamos construir.

Essa é uma tarefa do PT como partido, mas também com os movimentos sociais e culturais, que deve traduzir as grandes transformações econômicas e sociais que o país está vivendo, em transformações políticas e culturais. Representaria mudar a base social em que se assenta o nosso partido, reinsertando-o no novo panorama que a formação social brasileira apresenta, neste caminho de saída do modelo neoliberal para um pós-neoliberal.

A outra grande tarefa é a de geração, por múltiplos condutos, de novas formas de sociabilidade, alternativas ao “modo de vida norte-americano”, centrado este no consumismo, no individualismo, na violência, nas drogas, em religiões alienantes. Traduzir a generosidade das nossas políticas sociais em valores de solidariedade, de cooperação, de desalienação das consciências, de humanismo. Mutirões, como um que façamos para lutar contra o analfabetismo, ainda fortemente reinante entre nós, contribuiriam para isso.

*Emir Sader é sociólogo

Extraído do Site do Jornal Página 13

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