quarta-feira, 3 de março de 2010

A CONFECOM DOS BARÕES DA COMUNICAÇÃO

A conferência de comunicação particular da direita

Por Gilberto Maringoni

“O Plano Nacional de Direitos Humanos [PNDH] é totalitário”, “o stalinismo predomina no PT”, “temos de ir para a ofensiva”, “vamos acabar com essa história de ouvir o outro lado na imprensa”, “governo cínico, cínico, cínico!”, “democracia não é só eleição”. Frases assim, proclamadas com ênfase quase raivosa, deram o tom no Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, realizado na última segunda-feira, em São Paulo.

O evento, promovido pelo Instituto Millenium, foi uma espécie de Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) particular da direita brasileira, facção grande mídia. Revezaram-se nos microfones convidados internacionais, donos de conglomerados e seus funcionários de confiança. Fala-se aqui da Editora Abril, da Rede Globo, da Rede Brasil Sul (RBS), da Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e agregados. Como se sabe, tais setores resolveram boicotar a I Confecom, um processo democrático ocorrido em todos os estados da Federação, que culminou em uma etapa nacional, realizada em dezembro último. Presentes nesta, cerca de 1,3 mil delegados, entre empresários, movimentos sociais e governo. O total de pessoas envolvidas em suas fases regionais envolveu cerca de 12 mil participantes.

Pois o Instituto Millenium fez seu convescote para cerca de 180 participantes. Eram empresários, jornalistas e interessados, que desembolsaram R$ 500 cada um, por um dia de atividades. Na mira dos palestrantes, os governos de centro esquerda da América Latina, os movimentos sociais, o governo Lula e o PNDH. As intervenções mais moderadas foram as de Roberto Civita (Abril) e Otávio Frias Filho (Folha), que buscaram, de certa forma, situar seus interesses na cena política. Externaram o que se espera de proprietários de monopólios.

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Defendem a livre iniciativa de “investidas antidemocráticas como o controle social da mídia” e “menos legislação para o setor”, no dizer de Civita. Roberto Irineu Marinho (Globo) foi ainda mais discreto. Ficou na plateia e fez uma única pergunta por escrito ao longo de todo o dia. Eles mantêm uma certa linha. Os três resolveram terceirizar a artilharia pesada para seus empregados, que fizeram uma verdadeira competição para ver quem seria o Carlos Lacerda (1914-1977) da Nova Era. O ex-governador da Guanabara se notabilizou entre o final dos anos 1950 e o início da década seguinte como o mais notável agitador, na TV e no rádio, em favor do golpe de 1964. Dono de uma retórica incendiária, Lacerda intimidava adversários e aglutinava seguidores para a derrubada do presidente João Goulart. Nessa toada, os conferencistas tiveram a inusitada ajuda do ministro das Comunicações, Helio Costa (PMDB), e do deputado Antonio Palocci (PT), como se verá adiante.

Visão particular da história

A primeira mesa trouxe três convidados externos: o argentino Adrian Ventura (Clarín), o âncora da televisão equatoriana Carlos Vera (Ecuavisa) e o venezuelano Marcel Granier (dono da RCTV, cuja concessão não foi renovada em 2007). Arrogante e inflamado, Vera afirmou que em seu país “não existe liberdade de expressão”. Reclamou que seu canal de TV não recebe mais publicidade estatal e acusou o presidente Rafael Correa – “um ditador” – de ter sido eleito “por prostitutas”. Já Marcel Granier foi saudado como uma espécie de símbolo da luta pela liberdade de imprensa pelo apresentador Marcelo Rech, diretor da RBS.

O proprietário da rede venezuelana denuncia “o autoritarismo do governo Hugo Chávez”. Relata o que diz serem provocações, intimidações e a certa altura, de passagem, fala da “renúncia” de Chávez. Em nenhum momento, menciona o golpe de Estado de 2002 e o papel da grande mídia de seu país. Parece que toda a tensão em seu país nasceu por geração espontânea. Uma visão particular da história, sem dúvida.

Granier e seus colegas de mesa não deixam de deplorar a existência de aliados dos tais governos ditatoriais entre os empresários da mídia. Aliados, não. “Cúmplices”, sublinha o mediador Rech, com anuência dos convidados.

Logo após a mesa inicial, chega o convidado mais aguardado da manhã chuvosa, o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Com seu inimitável penteado, fala o que a “seleta platéia”, conforme sua expressão, queria ouvir. Busca esvaziar a Confecom de qualquer significado maior. “Através de três ministros, Luiz Dulci, Franklin Martins e eu, o governo foi unânime em decidir que em hipótese alguma se aceitará algum tipo de controle social da mídia”. E enfatizou: “Isso não foi, não é e não será discutido”, enfatiza para gáudio da maioria dos presentes. Genial. O membro do primeiro escalão confraterniza-se com os que deploram seu governo como marcado por tendências discricionárias.

E essa foi a parte séria. A mais engraçada pode ser lida adiante.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

Fonte: Site Opera Mundi

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